O que aconteceria se uma mulher branca de classe média alta realmente se descobrisse branca? A que custo isso se daria, e qual o discurso possível dessa constatação? Foi a partir dessa provocação que o dramaturgo Reni Adriano e a atriz Cácia Goulart, artistas do Núcleo Caixa Preta conceberam o bem-sucedido solo “A Idade da Peste”. O espetáculo estreou em 2022 no Sesc Pinheiros e agora ganha novas apresentações gratuitas nos Centros Culturais Vila Formosa (nos dias 3 e 4 de abril), Olido (dias 11 e 12) e Penha (dias 24, 25, 27 e 28). A temporada de circulação é possível graças ao apoio da 17ª edição do Prêmio Zé Renato.
Na trama, Senhora C. assiste ao assassinato do filho da empregada, encurralado pela polícia, dentro da sua casa de classe média alta. O episódio desencadeia um profundo exame de consciência em que os desejos inconfessados da branquitude emergem como um marcador racial aterrorizante, questionando a própria possibilidade de justiça em um mundo feito à imagem e semelhança dos brancos.
Escrita por um dramaturgo negro para atuação de uma atriz branca, a peça mobiliza e tensiona os marcadores identitários raciais de modo a evidenciar que, antes de ser um “problema de negros”, o racismo é um flagelo de brancos. O exercício de franqueza de uma mulher branca sobre a perversão de seu próprio status identitário torna A Idade da Peste uma assombrosa reflexão em que pensar o racismo é um debate sobre o mal.
Mas engana-se quem espera da atuação de Cácia Goulart uma personagem branca se autoelogiando como “antirracista” ou performando mea culpa e comiseração. “Senhora C. não tem esse complexo de Princesa Isabel; não pretende ser reconhecida como a ‘branca redentora’ da causa. Pelo contrário: ela é consciente da infâmia do lugar racial que ocupa, sabe que esse lugar é indefensável”, reflete Cácia, que também assina a direção da peça.
Para o dramaturgo Reni Adriano, esse assunto costuma ser violentamente rechaçado por pessoas brancas, porque instintivamente reconhecem que subjaz a esse tema-tabu uma dose dolorosa de vergonha e infâmia. “Mas o status da branquitude se perpetua e se atualiza justamente nesse silenciamento”, pondera. Além disso, o autor, que é negro, ironiza que escrever para uma atriz branca funcionaria como uma espécie de mascaramento para que brancos possam ouvi-lo de boa vontade.
Para o Núcleo Caixa preta chamar à responsabilidade pelo desnudamento da branquitude implica um vasto exercício de solidariedade para com todos os que a branquitude degredou como o outro do branco. O parâmetro de humanidade à semelhança da branquitude, ao custo da violação da diferença até o paroxismo predatório de pôr em risco a sobrevida do planeta, aqui é repensado à luz de uma comunidade de destino engajada em outras possibilidades do humano, balizadas notadamente pelo perspectivismo das culturas negras e ameríndias.
Ficha Técnica
Dramaturgia: Reni Adriano
Direção, Cenografia/Figurinos e atuação: Cácia Goulart
Ator convidado- Voz OFF: Samuel de Assis
Assistente Direção: Inês Aranha
Desenho de Luz: Wagner Pinto
Música original: Marcelo Pellegrini
Vídeomapping: (Um Cafofo)
Vídeo de cena: Nelson Kao
Designer gráfico: Osvaldo Piva
Fotos: Cacá Bernardes
Produção: Núcleo Caixa Preta da Cooperativa Paulista de Teatro/Cácia Goulart
Serviço
“A Idade da Peste”, do Núcleo Caixa Preta
Duração: 80 minutos
Classificação: 16 anos
Ingressos: Gratuitos, retirar na bilheteria uma hora antes do espetáculo.
Centro Cultural Vila Formosa – Teatro Zanoni Ferrite
Av. Renata, 163 – Vila Formosa
Quando: 3 e 4 de abril, às 20h
Capacidade: 204 lugares
Acessibilidade: teatro acessível a cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida
Centro Cultural Olido – Sala Olido
Av. São João, 473, Centro Histórico
Quando: 11 e 12 de abril, às 19h
Capacidade: 297 lugares
Acessibilidade: teatro acessível a cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida
Centro Cultural Penha – Teatro Martins Penna
Largo do Rosário, 20, Penha
Quando: 24 a 28 de abril (exceto no dia 26), de quarta, quinta e sábado, às 20h, e no domingo, às 19h
Capacidade: 200 lugares
Acessibilidade: teatro acessível a cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida