As atrizes selecionadas para intercâmbio no Chipre
As aprendizes dos Cursos Regulares de Atuação e Humor Carol Rodrigues, Clara Cury, Thaís Rossi e Vitória Carine foram as selecionadas para participar do intercâmbio cultural a ser realizado em Pafos, no Chipre, que será a Capital Europeia da Cultura em 2017.
A ação é uma parceria estabelecida entre a Associação dos Artistas Amigos da Praça, organização gestora da SP Escola de Teatro, e a Universidade das Artes de Folkwang, na Alemanha. Um dos principais projetos que envolvem esta celebração será a encenação de “Lisístrata”, de Aristófanes, em um projeto multicultural com elenco integralmente feminino.
As quatro aprendizes da Escola devem contracenar com mais quatro atrizes nigerianas, quatro do Chipre e quatro estudantes de jazz da universidade alemã. A residência artística ocorre de 19 de abril a 14 de maio de 2017.
As atrizes brasileiras foram selecionadas após três dias de testes e ensaios com o diretor inglês Brian Michaels, coordenador do projeto. Elas dividem a experiência e suas expectativas a seguir.
Carol Rodrigues
É enriquecedor quando nossas expectativas são surpreendidas e superadas. Nós, artistas, sabemos que a preparação e a espera para uma audição é cruel, mas lá estávamos oito mulheres numa terça-feira fria e cinza, com os nervos à flor da pele, prontas (nem tanto) para o teste. A situação piorou com a chegada do diretor anglo-germânico… Foi chegada a hora, quem seria a primeira? Nem precisamos escolher, pois sensivelmente ele percebeu que aquela atmosfera de avaliação era inadequada, nem um pouco produtiva e nem mesmo favorável para o momento… Ufa.
Começamos com a típica apresentação, nomes, idades, experiências e, naturalmente, nossos assuntos convergiram para como seria o trabalho com Brian Michaels e sobre a montagem da peça “Lisístrata”, em Pafos. Ele prontamente nos explicou sobre seu método e técnicas aplicadas ao trabalho de corpo, como também seus interesses e projeções para esse intercâmbio, já que a montagem envolve também atrizes da Nigéria, Alemanha e Chipre.
Partimos então para a parte prática e pudemos experimentar a preparação e o método de criação utilizado pelo diretor, que, basicamente, permeia a simplicidade da ação do caminhar (e suas velocidades) e aposta na linguagem genuína do corpo como força motora e intuitiva do agir. Ele queria apenas nos conhecer, dizia.
Depois de dois dias de imersão nesse trabalho, nossas cenas foram vistas. Não só por ele como todas nós também. Foi uma comunhão bonita, leve e, acima de tudo, celebrada. Falamos sobre mulheres, sobre ser mulher, sobre feminismo, sobre “Lisístrata”, arte e nós. A seleção das atrizes viria a acontecer por razões óbvias, afinal esse era o objetivo, e se é pra ser assim façamos com dignidade, sensibilidade e celebração. Assim foi.
Clara Cury
Gostei muito de conhecer o diretor Brian Michaels e me entusiasmou muito a sua concepção sobre o projeto e seu modo de trabalhar com a ressignificação de textos clássicos na atualidade. Sua abordagem inicial em qualquer projeto parte do corpo e do ator em plena conexão com o próprio corpo após exercícios de caminhadas pelo espaço que duram em torno de uma hora. O propósito é encontrar as respostas para as inquietações do trabalho em questão nos impulsos do corpo, ao mesmo tempo em que a história individual e a visão de mundo de cada ator o move na estruturação das bases do processo de criação do grupo.
Neste projeto específico, acredito que será incrível trabalhar com um elenco tão multicultural, formado por atrizes nigerianas e gregas e musicistas alemãs. Será, com certeza, uma vivência muito intensa, pois teremos 25 dias para criar, ensaiar e fazer duas apresentações de “Lisístrata”. As apresentações farão parte da programação de Pafos, capital do Chipre, enquanto capital da Cultura na Europa em 2017. Neste contexto, poderemos assistir a muitas manifestações artísticas de diferentes países.
Conhecer e trabalhar com mulheres de mundos tão diferentes, e imagino que com tanto em comum ao mesmo tempo, será uma oportunidade singular e especial. A partir do tema da peça, uma greve de sexo para dar fim à guerra entre Atenas e Esparta, Brian pretende discutir o “ser mulher” hoje. Esta discussão já foi iniciada nos experimentos do semestre passado na SP Escola de Teatro, trazendo à tona muitos questionamentos que, ao que parece, serão lenha preciosa nesta fogueira artística.
Thaís Rossi
No primeiro semestre de 2016, a SP Escola de Teatro propôs aos aprendizes como material de trabalho o álbum “A Mulher do Fim do Mundo”, de Elza Soares, e, como operadora, a escritora Chimamanda Adichie, autora do texto “Sejamos Todos Feministas”. Foi uma tarefa complexa desenvolver essa temática dentro dos experimentos, mas que também fomentou e impulsionou diversas questões na nossa pesquisa.
Após essa experiência no meu primeiro Módulo na Escola, de todo o debate e produção que tivemos durante os experimentos, vi com curiosidade a oportunidade de participar desse projeto: uma montagem da peça “Lisístrata”, uma comédia escrita em 441 a.C. na qual as mulheres gregas decidem instituir uma greve de sexo até que a guerra acabe. A montagem é dirigida por um inglês radicado na Alemanha, com atrizes da Nigéria, Alemanha, Chipre e Brasil.
Aprendi muito com os experimentos passados, e o principal foi que o discurso não pode ser apenas teórico, ele deve ser acompanhado de uma mudança empírica nas formas de trabalho e nas relações. Durante os três dias do workshop com o diretor Brian Michaels, vi essa proposta se concretizar. Brian compartilhou sua forma de trabalho, sua visão de mundo e qual o significado de um projeto como esse. Nós, enquanto atrizes, compartilhamos experiências.
Estou muito contente em fazer parte de um projeto livre e transponível para todas as potencialidades que cada atriz, com seus diferentes contextos, visões de mundo e experiências, pode contribuir para uma construção conjunta.
Vitória Carine
Eu entendo a criação teatral como uma ferramenta política de comunicação. Brian dividiu o seu trabalho com a gente e discutimos sobre as nossas visões do nosso mundo hoje, o que foi provocador. As discussões reverberaram no processo. Corpo e mente refletindo sobre o que eu quero comunicar enquanto mulher, e enquanto artista, como eu quero comunicar. Aproximei seu processo com um processo de clown que tive e estou ansiosa para ver onde tudo isso irá nos levar.
Como aprendiz do Curso Regular de Humor, tenho grandes expectativas sobre o projeto por ser uma peça de comédia protagonizada por mulheres. Ao menos no Brasil, a comédia ainda é majoritariamente masculina, há apenas algumas décadas surgiram as primeiras mulheres palhaças. Estamos num contexto de ocupar cada vez mais os espaços e falar do nosso universo. Acredito que será uma experiência rica e empoderadora enquanto artista mulher latino-americana estar em outro país com mulheres de contextos sócio-históricos diferentes discutindo a mesma opressão: ser mulher.