A SP Escola de Teatro vem dando exemplo entre as instituições brasileiras voltadas ao ensino das Artes Cênicas, ao manter suas atividades pedagógicas por meio do ensino a distância neste período de isolamento social. Desde 23 de março, a instituição suspendeu as aulas presenciais, seguindo determinação da Secretaria de Cultura e Economia Criativa, de acordo com as recomendações do Governo do Estado de São Paulo e do Centro de Contingência do Coronavírus.
Joaquim Gama, coordenador pedagógico da instituição, conta nesta entrevista exclusiva ao jornalista Miguel Arcanjo Prado como se desenvolve este processo.
MIGUEL ARCANJO – Como tem sido a dinâmica de aulas a distância dos cursos técnicos da SP Escola de Teatro?
JOAQUIM GAMA – Elas precisaram ser redimensionadas rapidamente, considerando as e os estudantes que estão conosco neste semestre e também o processo formativo envolvendo as propostas teatrais previstas para os módulos Azul e Verde. Tarefa nada fácil quando pensamos numa escola de teatro voltada à formação profissional. Para que esse processo não fosse interrompido abruptamente, estamos propondo Programas de Trabalho, levando em conta as possibilidades de acesso e a sua realização a distância. Assim, os tais programas são publicados, periodicamente, no site da escola, enviados por meio de WhatsApp aos grupos de estudantes e por e-mails. Paulatinamente, fomos ampliando as possibilidades de acesso e organizamos as chamadas aulas online, utilizando diversas plataformas tecnológicas disponíveis na internet. Essas aulas online permitem orientar os processos propostos nos Programas de Trabalho e também apresentar conteúdos referentes aos estudos e às investigações teatrais de cada módulo.
MIGUEL ARCANJO – Como você coordenou este novo período? Quais ações foram necessárias para essa modalidade a distância?
JOAQUIM GAMA – Na SP Escola de Teatro, periodicamente, temos um espaço reservado às reuniões pedagógicas, durante as quais estamos o tempo todo avaliando o processo desenvolvido, pensando não apenas nos ajustes necessários às ações artísticas e às metodologias para a continuidade do trabalho em sala de aula, como também em formas de alimentar o diálogo entre as 8 linhas de estudo oferecidas pela escola – Atuação, Cenografia e Figurinos, Direção, Dramaturgia, Humor, Iluminação, Sonoplastia e Técnicas de Palco. Para nós, a pedagogia não se resume à aplicação de procedimentos, temos como preceito a ideia de pedagogia como criação. Isso nos coloca o tempo todo em movimento, pensando constantemente nas crises e nas possibilidades de lidarmos com elas. Crise para nós sempre foi uma oportunidade de encontrar novas saídas. Portanto, como sempre fazemos, avaliamos o momento em que estamos inseridos e o que seria ideal pensarmos para que a escola continue pulsante e sendo um espaço para todos nós ressignificarmos a realidade em que vivemos. E é isso que tem sido feito durante esse período de Pandemia. Neste semestre, temos o tema Amor como operador das propostas de investigação teatral (a partir do livro “Elogio ao Amor”, de Alain Badiou e Nicolas Truong), definido já em 2019. Ou seja, percebemos que era o momento de aprofundarmos teatralmente as relações entre o Amor e a Pandemia. Tudo isso também nos estimulou a buscar reinventar a linguagem teatral, desenvolvendo parcerias criativas com as e os estudantes, na direção da apropriação de outras tecnologias, dos recursos da internet e de um teatro expandido. Essa reinvenção da linguagem teatral em tempos de pandemia perpassa pela “casa” de cada um de nós, pela experiência do isolamento social e pelo desejo de experimentação de uma comunicação teatral transmídia.
MIGUEL ARCANJO – O que mudou na pedagogia da SP Escola de Teatro nestas últimas semanas?
JOAQUIM GAMA – Eu não diria que mudou a pedagogia da escola, mas sim que se intensificaram questões fundamentais para nós e, por conseguinte, para o teatro. Estamos mais do que nunca conectados a Milton Santos nas suas proposições sobre a ideia de território. Todo Programa de Trabalho e aulas online, por exemplo, são pensados a partir do território onde cada pessoa se encontra e a maneira como ela está ressignificando o espaço e o tempo. Assim, ideias como as de Frijof Capra sobre interdependência, cooperação e equilíbrio nunca fizeram tanto sentido ao pensar o ensino de teatro como nesses tempos de covid-19. Também não podemos deixar de buscar inspiração em Paulo Freire, nas suas formas de pensar o conhecimento, não a partir de um rol de conteúdo a ser ensinado, mas a partir da experiência com o mundo e dos lugares de fala.
MIGUEL ARCANJO – Como têm sido essas novas trocas entre coordenações, artistas docentes e estudantes?
JOAQUIM GAMA – Primeiro, tornou-se fundamental estarmos juntos, mesmo que seja virtualmente. Também passou a ser importante, seja em um e-mail, numa mensagem de WhatsApp, na abertura de uma reunião, ou em uma aula online, reafirmarmos as perguntas: “Como vocês estão? Como estão os seus familiares? Como estão os amigos?” O que antes era, muitas vezes, um protocolo breve, passou a ter um espaço maior nos encontros virtuais. Em geral, as trocas ocorrem virtualmente. Temos trabalhado muito! Os encontros virtuais exigem mais energia, mais atenção e criam desgastes físicos. Por outro lado, nos coloca em movimento e nos permite ampliar algo que é fundamental para qualquer ser humano: nossa capacidade de ideação e criação. Evidentemente, é preciso considerar os momentos em que estamos tristes, em que o medo se faz presente e a falta de perspectiva parece tomar conta da nossa realidade. Mas sabemos também que o teatro pode nos oferecer possibilidades de sobrevivência, na medida em que ele nos permite imaginar outros futuros e ressignificar a realidade. É impossível pensar o teatro sem sua vocação pedagógica e psicanalítica. Quem de nós não redimensionou sua existência ao sair de uma sala de espetáculo? Quem não chorou um sentimento escondido, recolhido, ao se identificar com a trajetória de uma determinada personagem? Quem não alterou o curso da sua vida ao participar de uma experiência teatral? Seja como espectador ou como artista da cena ao vivo, é impossível passar impune pelo teatro. Não é à toa que povos ameríndios e africanos tradicionais têm a representação como expressão máxima da Cultura, das relações humanas com as forças da natureza e da espiritualidade.
MIGUEL ARCANJO – Qual retorno você tem tido das coordenações, artistas docentes e de estudantes?
JOAQUIM GAMA – Como acontece com todas as pessoas, cada dia tem sido um dia diferente. Tudo se altera muito rapidamente! Primeiro, porque a pandemia nos colocou diante dessa realidade. Segundo, porque também somos afetados pelos mesmos sentimentos que atingem a maioria das pessoas: medo, comoção e insegurança. Mas também sabemos da nossa responsabilidade como artistas e pedagogos à frente da SP Escola de Teatro. Isso nos faz cada vez mais cientes da importância do coletivo e das ações colaboracionistas entre todas e todos que fazem parte do projeto da escola. Diariamente, nos falamos. Estudantes nos provocam, descobrem caminhos tecnológicos em que não havíamos pensado… Se descobrimos que alguém não está bem, lá vamos juntos buscar dar apoio a essa pessoa. Retornos sobre cada ação efetuada e as trocas realizadas entre os envolvidos têm sido fundamentais para a realização do trabalho artístico e pedagógico.
MIGUEL ARCANJO – Quais os desafios e as vantagens você vê neste novo formato?
JOAQUIM GAMA – Os desafios são diários, mas temos uma equipe interessada em lidar com eles e extremamente capacitada para isso. Ivam Cabral, diretor executivo, tem sido, como sempre, um provocador incrível e tem garantido a manutenção do nosso trabalho, juntamente com um grupo de Conselheiros muito atentos e presentes em todas as decisões que têm sido tomadas pela escola. Assim como têm sido fundamentais as parcerias das coordenações realizadas por Cesar Baptista, Cléo de Paris, Guilherme Bonfanti, J. C. Serroni, Kenia Dias, Lucia Camargo, Marici Salomão, Raul Barreto, Raul Teixeira e Rodolfo García Vázquez. Também são essenciais as ações das e dos artistas docentes que compõem a equipe deste semestre, como Christian Landi, Dani Veiga, Francisco Turbiani, Gregory Slivar, Laisa Fernandes, Lucelia Sérgio, Luciano Gentile, Marcia Nemer, Mawusi Tulani, Raphael Garcia, Suzana Aragão, Suzana Muniz, Tamara David, Telumi Hellen e Viviane Souza. Além de uma série de profissionais que têm contribuído com a organização de todo o trabalho pedagógico, tais como Dione Leal, Djanira Batista, Elen Londero, Flavia Araujo, Gustavo Ferreira, Heide Soares, Henrique Melo, Mateus Araujo, João Martins, Marcio Aquiles, Marie Ikonomidis, Millena Wanzeller, Priscila Camargo, Ricardo Pettine, Tomaz Filho, Sabrina Santos e Ueliton Alves. Sem falar de uma equipe enorme que atua no setor administrativo sob as orientações do Alessandro Ribeiro e Renato Consorti, ligada à produção da escola e aos cursos de extensão. Talvez seja muita presunção falar em vantagens nesse momento em que a perda é uma sensação presente em todos nós. Mas podemos afirmar que existem conquistas que nos estimulam a seguir em frente. Entre essas conquistas eu reafirmaria o desejo de todas e todos, estudantes, coordenações e artistas docentes, em manter viva a escola! Mesmo que isso nos prive dos espaços de encontros presenciais nas unidades Roosevelt e Brás, mesmo que isso nos tenha afastado fisicamente uns dos outros. Temos também conquistado a compreensão, o respeito e o apoio incondicional da Secretaria da Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo. Manter viva a SP é garantir que as e os estudantes possam continuar a receber a Bolsa Oportunidade, é assegurar que artistas docentes possam continuar recebendo seus cachês e vivendo do seu trabalho, assim como uma série de profissionais que dedicam sua vida à Cultura e à Educação. É também a possibilidade de assegurar às e aos estudantes a profissionalização na área das artes do palco. Outra conquista que destaco está relacionada à validação das atividades online. Todas as ações propostas pela escola, de maneira remota, serão validadas e nenhum estudante será prejudicado no processo de certificação do curso. Sabemos que perdemos o estado de presença, tão fundamental ao fazer teatral e tão ressaltado nas nossas falas com as e os estudantes, mas não perdemos o sentido do encontro e sua importância. Nem tampouco deixamos de assumir a responsabilidade nem de manter o desejo de pensar sobre o futuro da SP e a necessidade de manter vivo esse projeto. Os desafios futuros devem não apenas nos colocar diante da necessidade de repensar a continuidade dos estudos na escola, sem que haja perdas para as e os estudantes, como também redefinir como serão os próximos módulos e garantir que todas e todos, que estão matriculados nas 8 linhas de estudo, possam dar continuidade a sua formação profissional.
MIGUEL ARCANJO – Quais novidades você já planeja em relação a este novo formato a distância?
JOAQUIM GAMA – De acordo com o nosso cronograma, a próxima etapa será destinada aos experimentos. Vamos ter pela frente o desafio de pensar neles. Evidentemente, não será possível estruturá-los da maneira como tinham sido pensados anteriormente para este semestre, nem tampouco poderemos nos esquecer de como cada estudante está atravessando esse momento. Mas também não queremos perder de vista aquilo que nos faz querer ficar juntos nesse momento: um amor imenso pelo teatro!
CULTURA EM CASA
Assim como outros equipamentos, a SP Escola de Teatro criou uma programação especial na internet para oferecer ao seus seguidores. Assim, está disponível uma série de conteúdos multimídia, como vídeos de espetáculos e de palestras e bate-papos de nomes como as atrizes Fernanda Montenegro, Nathalia Timberg e Denise Fraga, a monja Coen, a escritora Adélia Prado e o pastor Henrique Vieira, além de cursos gratuitos a distância.
O acervo ainda inclui filmes produzidos pela Escola Livre de Audiovisual (ELA) – iniciativa da Associação dos Artistas Amigos da Praça (Adaap), gestora da SP Escola de Teatro – em parceria com instituições internacionais, com a Universidade das Artes de Estocolmo (Suécia).