Por: Marici Salomão – Coordenadora do Curso de Dramaturgia
Formar dramaturgos? Como assim? O dramaturgo não seria aquele tipo de poeta que está acima de qualquer regra, teoria ou técnica? Não seria aquele tipo de criador imune a qualquer conhecimento que pudesse profanar sua arte maior? Não seria o gênio autônomo, desprovido de qualquer necessidade de conhecer ou racionalizar, a não ser sob os imperativos de seu próprio impulso criativo?
E, no entanto, pela primeira vez de forma incontestável no Brasil, o ensino da dramaturgia começa a ganhar um corpo pedagógico, com um norte absolutamente claro: experienciar com jovens dramaturgos novas possibilidades criativas, capacitando-os nos sentidos técnico, teórico e, sobretudo, prático, a partir das réguas do passado, do presente e prospectando para o futuro; aos poucos esse ensino começa a ocupar um espaço irremediavelmente especial, privilegiado, com um curso de longa duração, gratuito e inédito em seu formato. Falo, neste caso agora, do curso de Dramaturgia da SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco, com duração de dois anos.
Essa Dramaturgia (com “D” maiúsculo mesmo), que começa a se repensar a si mesma, identifica em suas práticas pedagógicas três eixos fundamentais: o dramaturgo como receptor ativo da história, o dramaturgo como praticante das técnicas que o capacitarão e o dramaturgo criador, estimulado a descobrir sua voz singular, a partir de suas potencialidades individuais.
O viés multidisciplinar da SP, integrador dos oito cursos regulares oferecidos, registra em clave maior as práticas do fazer. No caso da dramaturgia, desmascarando assumidamente os velhos dispositivos dramáticos em busca de poéticas mais excêntricas e extemporâneas, ampliando o espectro das fórmulas e regras oferecidas (ou impostas?) pela cultura de massa.
Num país que pouco privilegia a dramaturgia, não é pouco apresentar aos jovens autores do curso de Dramaturgia, textos e dramaturgos contemporâneos privilegiados –brasileiros e estrangeiros -, que se alimentam de uma pesquisa incessante, de formas ousadas, de temas loquazes e de um discurso que não se deixou (ainda, ao menos aparentemente) dominar. E tão significante quanto, é a chance que nos cabe de incentivar as práticas orientadas da criação de novos textos, sob o conhecimento dos diversos modos de produção textual contemporânea, do gabinete aos processos colaborativos.
Claro que junto a essas práticas palpitantes, é preciso propor o estabelecimento de diálogo com as formas passadas, inscritas num passado milenar. Também um curso que se propõe formar dramaturgos deve apresentar as bases do surgimento do nosso teatro brasileiro, nossas raízes mal ou bem fundamentadoras, nossa história política e cultural e os elos que o sustentaram através dos tempos. E devemos proporcionar também o estabelecimento de uma troca real entre a teoria e as técnicas que emanam da sala de aula com a prática de leitura e montagem de seus textos.
É nesse caudal de experiências compartilhadas e problematizadas que nasce o curso de Dramaturgia da SP Escola de Teatro. E é nesse ambiente que nos dedicamos a uma praxis real, fluída e honesta, para além da ofensiva e paralisante retórica discursiva dos que preferem acreditar que a dramaturgia nasce como que por acaso, da mente de gênios que operam seus textos por milagre.
SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco | 21/06/2010
Foto: Lucas Arantes