Por Gabriela Lemos, especial para a SP Escola de Teatro
Estar confinado te obriga a confrontar verdades sobre si mesmo que antes se camuflavam na rotina intensa da cidade. Os apartamentos que usávamos para banhar e dormir viraram o mundo todo. As idas do quarto pro banheiro e da cozinha pra sala encurtaram as noções de distância. O tempo também parece mais elástico em 2020, que se arrastou em dias iguaizinhos e de repente nos trouxe até dezembro. E para tentar ser otimista e ver o copo desse ano meio cheio, penso que pelo menos vivemos em um tempo em que mesmo confinados, não estamos completamente sozinhos. Cada apartamento-mundo de classe média privilegiada possui uma janela com vista para a interminável realidade virtual. E foi daqui da minha que assisti Quarentenegação no Instagram da atriz e autora Carol Cucick, integrando a programação do Festival Satyrianas 2020.
O desabafo da Carol pode ser sentido por muitos jovens adultos artistas isolados nesse final de ano. Puxando os cabelos e obrigados a confrontar o barulho dos seus próprios pensamentos, entre um podcast e outro, uma maratona de série e outra, uma obra na calçada em frente e/ou no apartamento vizinho, uma live, uma aula online, uma selftape, um stories daquele amigo no bar-praia-shopping lotado. A Carol não aguenta mais e nos confessa com a sinceridade daquela amiga com quem se passa horas na chamada de vídeo. Neste sentido, a característica mais interessante de Quarentenegação é mostrar como a realidade atual permite uma ficção tão sutil e tão reconhecível, conectando nossos apartamentos-mundo e nossas frustrações em comum.
* Gabriela Lemos é participante da oficina olhares: poéticas críticas digitais, oferecida pela SP Escola de Teatro e ministrada pelo crítico Amilton de Azevedo, que supervisiona a produção e edita o material resultante.