Zé Henrique de Paula é ator, diretor e cenógrafo
Como surgiu o seu amor pelo teatro?
Eu não me lembro de isso ter surgido, me parece que foi algo que sempre fiz. Meus pais contam que desde 1 ou 2 anos, eu costumava enfileirar os brinquedos formando uma espécie de relação de palco e plateia, organizando apresentações de uns brinquedos para os outros. Dos 7 aos 12, eu me lembro de brincar de teatro com primos e amigos. E de ser essa, de longe, a minha brincadeira favorita. Acho que veio nos genes ou na alma.
Lembra da primeira peça a que assistiu?
A primeira deve ter sido na escola, mas não me recordo com precisão. Estudei todo o ensino fundamental e médio numa escola pública de Sorocaba, que dava grande ênfase à atividade artística, o teatro tendo lugar especial na vida dos alunos.
Um espetáculo que mudou a sua vida foi…
“Cyrano de Bergerac”, com direção de Flávio Rangel. Foi a primeira peça a que assisti em São Paulo e fiquei muito impactado com o texto e a encenação. Foi ali que eu percebi a potência do teatro e decidi que a minha vida precisaria desse ingrediente vital.
Um espetáculo que mudou o seu modo de ver teatro foi…
“Theatro musical brasileiro”, concebido e dirigido por Luiz Antônio Martinez Corrêa. Vi a peça tantas vezes que decorei as músicas. Foi uma espécie de encontro com as raízes de um teatro nacional, que eu conhecia pouco. Foi também fundamental como um reconhecimento do lugar da música no teatro, pesquisa que eu desenvolvo até hoje com a diretora musical e parceira de 20 anos de trabalho, Fernanda Maia.
Você teve algum padrinho no teatro? Se sim, quem?
Foram várias influências, mas não posso deixar de mencionar meu professor e orientador Clóvis Garcia, que despertou em mim um interesse apaixonante pela história do teatro, disciplina que eu viria a lecionar durante muitos anos em diferentes escolas de São Paulo.
Teatro ou cinema? Por quê?
Fiz alguns curtas como ator e admiro a arte de contar histórias através de imagens. Acredito que usamos no teatro muitos conceitos que dialogam com a técnica cinematográfica –enquadramento, plano, decupagem etc. Depois de mais de 30 direções em teatro, neste ano vou me aventurar a dirigir meu primeiro curta. Embora o frescor de ver aquilo acontecer ali, na sua frente, toda noite, só o teatro pode oferecer.
Cite um espetáculo do qual você gostaria de ter participado. E por quê?
“A gaivota”, com direção de Francisco Medeiros. Por conta do elenco incrível que tinha Walderez de Barros, Celso Frateschi, Marco Ricca e tantos outros. E pelo incrível trabalho de cenografia que o Serroni fez no porão do Centro Cultural São Paulo, uma intervenção cenográfica que tirou proveito máximo da poesia de Tchekhov num ambiente árido, cheio de concreto.
Qual dramaturgo brasileiro você mais admira? E estrangeiro? Explique.
Estudei a obra de Artur Azevedo para dirigir “É 20! As folias do século” e me apaixonei pela maneira vibrante com que ele une o gênero cômico à crítica social. Acho que ele é pouco montado e ainda não suficientemente valorizado. Obviamente Nelson Rodrigues é um marco e um pilar da nossa dramaturgia. Dentre os estrangeiros, no momento estou num flerte com Tony Kushner, que consegue unir o drama pessoal e o contexto histórico dentro de uma química altamente empolgante.
Qual companhia brasileira você mais admira?
A Cia. dos Atores, dirigida por Enrique Diaz. Desde “Melodrama”, passando por “O rei da vela” e as revisões de “Hamlet” e “A gaivota”, é um coletivo coeso, inovador, consistente e que produz teatro de grande relevância e qualidade.
Existe peça ruim ou o encenador é que se equivocou?
Existem as duas coisas. Lamentável é quando as duas se encontram.
Como seria, onde se passaria e com quem seria o espetáculo dos seus sonhos?
Depois que abrimos o Teatro do Núcleo Experimental, na Barra Funda, em São Paulo, o espetáculo dos meus sonhos seria aquele que levaria as famílias da Barra Funda – pais, filhos, avós, netos – todos juntos ao teatro. Contando uma história que tocasse essas pessoas. E com música, sempre.
Cite um cenário surpreendente.
“Eletra com Creta” e quase tudo o que eu vi depois de Daniela Thomas.
Cite uma iluminação surpreendente.
“Inocência”, do grupo Os Satyros, tirando poesia de recursos simples e absolutamente surpreendentes.
Cite um ator que surpreendeu suas expectativas.
Clara Carvalho, fazendo “Retratos falantes”, de Alan Bennet. Pela delicadeza em navegar da comédia ao drama e de volta à comédia, em questão de minutos.
A ideia de que tudo é válido na arte cabe no teatro?
Arte, para mim, é um processo de seleção e síntese. Como tema, obviamente tudo cabe. Mas o trabalho do artista é selecionar da realidade o que interessa discutir ou contar e, depois, encontrar a síntese que potencialize essa abordagem em forma de beleza e poesia.
Na era da tecnologia, qual é o futuro do teatro?
O teatro pode e deve encampar os avanços tecnológicos e tirar proveito disso. Como novas ferramentas para a cena, para o desenvolvimento das áreas técnicas. Mas o fato é que o jogo primordial, ancestral, onde reside a força motriz do teatro como manifestação de uma sociedade, está e estará sempre nos atores. Atores e plateia é que fazem essa engrenagem funcionar. E numa sociedade em que cada vez mais se valoriza o individual e o privado, essa interação faz do teatro uma atividade cada vez mais vital, renovadora, capaz de lembrar a todos nós que os vetores que nos unem são perenes e indissolúveis.
Em sua biblioteca, não podem faltar quais peças de teatro?
Gosto do choque entre o clássico e o novo. É desse diálogo que minha biblioteca de teatro se alimenta: Shakespeares e Bartletts, Shaws e Crimps, Tchekhovs e Kushners.
Cite um diretor (a), um autor (a) e um ator/atriz que você admira.
Newton Moreno (como autor e diretor) e Denise Weinberg.
Uma pergunta para William Shakespeare, Nelson Rodrigues, Bertolt Brecht ou algum outro autor ou personalidade teatral que você admire.
Eles é que lançaram para nós uma infinidade de perguntas, através de suas obras. Não me atrevo a perguntar nada…
O teatro está vivo?
Sempre esteve e sempre estará, não importa quantas vezes se decrete sua morte iminente.