Evaldo Sérgio Vinagre Mocarzel é jornalista, cineasta e dramaturgo
Como surgiu o seu amor pelo teatro?
Surgiu na adolescência, quando fui assistir a uma encenação de “Antígona”, na Sala Cecília Meirelles, no Rio, há mais de 30 anos.
Lembra da primeira peça a que assistiu? Como foi?
Vi muitas peças infantis quando era criança, mas, como já disse na resposta anterior, o impacto de “Antígona” permaneceu indelével na minha mente até hoje.
Um espetáculo que mudou o seu modo de ver o teatro.
Foram muitos os espetáculos que mudaram o meu modo de ver o teatro: “Macunaíma” e “Nélson Rodrigues, O Eterno Retorno”, ambos de Antunes Filho; “Quatro Vezes Beckett”, de Gerald Thomas; “O Livro de Jó”, do Teatro da Vertigem; “Hysteria”, do Grupo XIX de Teatro; “A Cicatriz é a Flor”, direção de Georgette Fadel com texto de Newton Moreno; e ainda espetáculos seminais de encenadores geniais como Zé Celso, Peter Brook, Pina Bausch e Bob Wilson, entre muitos outros.
Um espetáculo que mudou a sua vida.
“Nelson Rodrigues, o Eterno Retorno”, de Antunes Filho, e “O Livro de Jó”, do Teatro da Vertigem.
Você teve algum padrinho no teatro? Se sim, quem?
Não foram propriamente “padrinhos”, mas artistas com os quais troquei minhas inquietações artísticas: Sérgio Britto, Mauro Rasi, Juliana Carneiro da Cunha, Amir Haddad, Luís de Lima, Rubens Correa, Gerald Thomas, Antunes Filho, Domingos de Oliveira, Ivam Cabral, Rodolfo García Vázquez, Antonio Araújo, Eliana Monteiro, Guilherme Bonfanti, Luís Alberto de Abreu, Cibele Forjaz, Simone Mina, Isabel Teixeira, Georgette Fadel, Janaína Leite, Luiz Fernando Marques, Edgar Castro, Leona Cavalli, Helio Cícero, Samir Yazbek, Newton Moreno, Mariângela Alves de Lima, Alberto Guzik, Beth Néspoli, Roberto Áudio, Sérgio Siviero, Lúcia Romano, Osvaldo Pinheiro, Luciana Schwinden, Marçal Costa, Maurício Perussi, José Renato, entre muitos e muitos outros.
Já saiu no meio de um espetáculo? Por quê?
Jamais. Sempre assisto até o final, por mais que possa se tornar um suplício.
Teatro ou cinema? Por quê?
Os dois. São as minhas duas paixões siamesas: o teatro, templo da atriz, do ator e da palavra, com direito a todo tipo de sensorialidade e espiritualidade artaudianas; e o cinema, templo da imagem e do som.
Cite um espetáculo do qual você gostaria de ter participado. E por quê?
“O Livro de Jô”, do Teatro da Vertigem. Enlouqueci ao ver essa montagem histórica e acabei vendo seis vezes, sentia saudade do espetáculo. Ao entrar, o texto do Luís Alberto de Abreu era como um mantra me inebriando de arte em seu estado mais essencial.
Já assistiu mais de uma vez a um mesmo espetáculo? E por quê?
Vários. Além de “O Livro de Jó”, citado na resposta anterior, vi várias vezes “Piaf”, com Bibi Ferreira; “As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant”, com direção de Celso Nunes e Fernanda Montenegro à frente do elenco, no Rio; “Artaud”, com Rubens Correa, no Teatro Ipanema, também no Rio; “Hysteria”, do Grupo XIX de Teatro, que revi filmando em 18 locações históricas em Santa Catarina; também “Memória da Cana”, com o grupo Os Fofos Encenam, entre muitos outros. Adoro rever montagens que me marcaram.
Qual dramaturgo brasileiro você mais admira? E estrangeiro? Explique.
Adoro Nelson Rodrigues, considerado por todos o nosso maior dramaturgo, mas também adoro Jorge Andrade, Flávio Márcio, José Vicente, Newton Moreno, Luís Alberto de Abreu e Ariano Suassuna, entre muitos outros.
Qual companhia brasileira você mais admira?
São muitas, mas tenho um carinho pra lá de especial pelo Teatro da Vertigem, Companhia Livre, Grupo XIX de Teatro, Os Fofos Encenam, Satyros e Companhia Estável, sobre as quais estou realizando uma série de documentários que focaliza a vitalidade e a efervescência do teatro paulistano contemporâneo.
Existe um artista ou grupo de teatro do qual você acompanhe todos os trabalhos?
São muitos. Antunes Filho, Teatro da Vertigem, a eternamente saudosa Pina Bausch, Peter Brook, Grupo XIX de Teatro, Os Fofos Encenam, Satyros, Companhia Estável, Luís Alberto de Abreu, Newton Moreno, Georgette Fadel, Janaína Leite, Cibele Forjaz, Companhia Livre, entre muitos outros.
Qual gênero teatral você mais aprecia?
Gosto de tudo: dramas, tragédias, comédias, musicais, gosto do bom teatro, genuíno, visceral, fruto da criação coletiva de um grupo de artistas em comunhão plena e em sintonia total com o conceito que criaram.
Em qual lugar da plateia você gosta de sentar? Por quê? Qual o pior lugar em que você já se sentou em um teatro?
Sou da turma do gargarejo. Gosto da primeira fileira. O pior lugar: a primeira fileira do segundo andar do teatro do Sesc Pinheiros, que tem vidro e uma estrutura de ferro atrapalhando a visão da plateia.
Fale sobre o melhor e o pior espaço teatral que você já foi ou já trabalhou?
Tenho profundo amor pelo teatro principal do Sesc Consolação por causa do aconchego do espaço, da boa acústica, de todos os espetáculos maravilhosos aos quais assisti lá. O pior para mim continua sendo a primeira fileira do segundo andar do Sesc Pinheiros com aquele vidro e aquela estrutura de ferro atrapalhando a visão do espectador.
Existe peça ruim ou o encenador é que se equivocou?
Existe sim peça ruim, que é fruto do desleixo e da falta de rigor.
Como seria, onde se passaria e com quem seria o espetáculo dos seus sonhos?
O espetáculo dos meus sonhos teria a leveza de movimentos femininos de um coreógrafo maravilhoso como Balanchine, a estonteante expressividade expressionista de Pina Bausch, a simplicidade e universalidade multicultural de Peter Brook, o rigor obsessivo de Antunes Filho, a poesia cênica de Newton Moreno, a plasticidade de Bob Wilson, a atmosfera etérea de “Lago dos Cisnes”, a intervenção urbana de Antonio Araújo e do Teatro da Vertigem, a bela luz de Guilherme Bonfanti, a extraordinária singeleza de Cibele Forjaz e esse celeiro de grandes atores e atrizes que é a Companhia Livre, a revolucionária potência telúrica do grupo Os Fofos Encenam, a coragem e o despudor dos Satyros, a força política da Companhia Estável, o esplendor cênico de Zé Celso e do Teatro Oficina, a visceralidade de Patrice Chéreau, os solilóquios poéticos e desconcertantes de Bernard-Marie Koltès e a busca pela dramaturgia da passagem do tempo em locações históricas do Grupo XIX de Teatro.
Cite um cenário surpreendente.
Os cenários de Simone Mina para a Companhia Livre, sempre em busca do extraordinário no ordinário, ou melhor, em elementos muito simples como elástico e fita crepe.
Cite uma iluminação surpreendente.
As luzes de Guilherme Bonfanti para o Teatro da Vertigem são sempre inesquecíveis e muito impactantes.
Cite um ator que surpreendeu suas expectativas.
Edgar Castro, da Companhia Livre. Ainda não tinha me deparado com o imenso talento desse ator estupendo, dono do próprio destino no palco, imbatível em qualquer partitura épica.
O que não é teatro?
Vigarice e oportunismo.
A ideia de que tudo é válido na arte cabe no teatro?
Tudo é válido se há rigor, coerência dramatúrgica, se há risco e experimentação, oxigênios da criação artística.
Na era da tecnologia, qual é o futuro do teatro?
Num mundo cada vez mais virtual e imagético, o teatro é e sempre será um eterno espaço de resistência por causa da potência em carne viva de sua força presencial
Em sua biblioteca não podem faltar quais peças de teatro?
Os textos de Sófocles, Shakespeare, Ibsen, Beckett, Tennessee Williams e Koltès.
Cite um diretor (a), um autor (a) e um ator/atriz que você admira.
São muitos. Diretor: Antonio Araújo, uma escola de rigor, e Cibele Forjaz, uma das maiores diretoras de atores e atrizes da cena brasileira e mundial. Autor: Newton Moreno. Ator: Marco Nanini, talvez o maior ator em atividade no nosso País. Atriz: Marília Pêra, a nossa intérprete mais completa no apogeu da sua maturidade artística.
Qual o papel da sua vida?
Coriolano, de Shakespeare. No universo das personagens femininas, Blanche Du Bois, de “O Bonde Chamado Desejo”, de Tennesse Williams.
Uma pergunta para William Shakespeare, Nelson Rodrigues, Bertold Brecht ou algum outro autor ou personalidade teatral que você admire.
Bertolt Brecht, meu Mestre, indiscutível divisor de águas na História da Arte, gostaria de te perguntar o seguinte: depois de reescrever a lógica da tragédia artistotélica com suas geniais estratégias de distanciamento, como interagir com o público contemporâneo, tão viciado na virtualidade de suas traquitanas tecnológicas? Como dialogar com esse público? Sensorialmente? Fora da caixa preta do palco italiano, como tantos grupos contemporâneos? Fazendo teatro como intervenção urbana? Como fazer teatro político nos dias de hoje? Como reciclar no mundo em que vivemos as estratégias de distanciamento sem enveredar por um tedioso didatismo ou mesmo pela aborrecida desconstrução de espetáculos que parecem apontar para um impasse, uma impotência em se encenar alguma coisa sem um insistente boicote antiilusionista que me parece uma fórmula completamente desgastada? Será o próprio ilusionismo uma possível “revolução” dramatúrgica contemporânea, liberta desse didatismo e dessa afetada desconstrução que mais parece um bate-cabeça de workshops de atores e atrizes improvisando em processos colaborativos?
O teatro está vivo?
Como já disse, o Teatro e as Artes Cênicas, de uma maneira geral, são espaços de resistência contra a virtualidade do mundo contemporâneo e sua potência presencial, sensorial, sinestésica e espiritual, sem a necessidade de intermediações tecnológicas, é e sempre será eterna, atemporal.