Por Liliane Pereira, participante da oficina Olhares, especial para SP Escola de Teatro
Se é possível que um som invada a imagem, assim é o canto de uma tecelã invadindo a tela de “Helena”, espetáculo da Cia. Blueberry (Cuiabá/MT). A versão disponível no Youtube está na programação digital do festival Satyrianas 2021 e foi a partir dela que vi, e ouvi, a mais límpida intimidade de uma mulher em sua solidão.
Sozinha em uma casa povoada de memórias, talvez inventadas, está Helena, acostumada. Mas acostumada à que? Essa questão traz para cena o que mulheres ouvem, fazem, lembram, choram, se perdem e retornam. Se estão mesmo acostumadas a isso, ou não, é a pergunta que paira.
22ª edição do festival Satyrianas começa nesta quinta (2); conheça a programação!
A partir do texto “Eu sei, mas não devia”, de Marina Colasanti, Helena vai nos levando pelo seu mundo, quase fantástico, onde o delírio é um lugar de sonho bom e também de dolorosas lembranças. De um momento para o outro, a personagem subitamente se desloca por situações construídas apenas para si, alegres para ela, triste para quem vê. Essa antítese comovente vai conduzindo a peça e deixando Helena cada vez mais próxima, real, apesar da realidade paralela que ela mesma cria. “Só mais uma mulher louca”, como diz a fala da peça em um momento em que não é possível definir qual Helena está falando.
Entre canções populares e cirandas que transportam idas e vindas de uma Helena mulher para uma Helena menina, a montagem audiovisual da peça é muito bem colocada e traz uma dinâmica que complementa a narrativa com ritmo – destaque para o prólogo, com os créditos de toda a equipe. Tecendo a sua própria memória, somos levados por esta mulher, como uma Penélope a desmanchar suas fantasias para, em seguida, tecê-las novamente.
*Liliane Pereira é produtora e diretora teatral, natural de Porto Alegre/RS. Cursou Letras na UFRGS e iniciou seus estudos teatrais em 1999 no grupo Ói Nóis Aqui Traveiz. Formada em Direção na SP Escola de Teatro, teve trabalhos apresentados na Suíça e na Alemanha. Recentemente dirigiu as peças 011 Anônimos e Bookpink – O Livro dos Pássaros.