Por Manfrin Manfrin, participante da oficina Olhares, especial para SP Escola de Teatro
Mansplaining rodoviário!
Em cena temos figuras-personagens postos por motivos diferentes num fictício e metafórico posto de gasolina em uma rodovia infinita e que não leva a lugar nenhum. Estereótipos. Tipos. A priori de fáceis leituras, mas que sem dúvida devem ter mais a apresentar. Impossível não pensar em uma grande metáfora contemporânea.
Um frentista do posto de gasolina, que não ganha para trabalhar. Um escravo. Ou será só um trabalhador que ganha um salário mínimo? Uma Donzela, uma influencer que está com o marido quando acaba a gasolina do carro; um carro; um homem; um homem que se incendeia; uma cuidadora de cães; e Sísifo, o cachorro grandão, que para alguns é imaginário e para outros não.
Lembro da mitologia de Sísifo, um rei muito esperto que enganou a Morte, Ares e de certa forma até Zeus, sendo punido com uma tarefa que não tem fim. Será que nessa obra algumas pessoas não veem o que? A esperteza? A inteligência? Ou o cão como algo marginal, menor – a partir de um pensamento especista – o que sei é que ali em todes, menos na cuidadora e no homem que fica em chamas, algo falta ou sobra nos outros.
Não há escuta entre as figuras! Apesar de Sísifo ouvir todos – inclusive, ele vê a chegada do homem que se incendeia. Não tem ouvidos, porque são figuras midiáticas. A mídia é uma TV que fala, um rádio que fala, mas não ouve. O celular, no mundo midiático, perdeu a função do telefonar! Ligar/ação! Talvez porque a classe média desesperada não se ouve, só fala, fala, fala. Talvez ainda pela leitura que me soa um pouco ainda truncada e sem silêncio. Mas é assim que a obra começa, como um rádio desalinhado, se ajustando… pesquisando… no escuro da rodovia, ouso dizer que me parece um discurso iluminista… humanista… branco. Cuidado com o cão alheio.
AHHHHHH!! a donzela é o carro… sim. não a mulher… o carro! Segundo ato, após o primeiro incêndio ninguém entende. Após o segundo todes entendem. Até quem não entende que entende entendeu. Entenderam?!?!??! A chuva limpa e adormece. Sonhar é a única realidade possível. Acordados, mente e corpo estão separados. Dormindo, mente e corpo estão juntes. Mas todo mundo que vai embora não volta. Menos aquele cara. É por causa dos destinos interligados. Da crítica do conteúdo de qualidade e destinos interligados. Tudo isso se renova no fogo.
Matar o cachorro grande. Matar a mulher grande. Sísifo vive na voz da donzela. Talvez a donzela viva na mulher também. Não pode viver no homem. Assim acredito! Não no homem do Mansplaining! Não pode ser sobre isso. O que eu levo é que certezas não me levam a nada. Sísifo vive! A donzela fala! E o frentista? Ele comenta que foi devastado no posto por um comeeettaa!!
*Manfrin Manfrin é mestra em Artes Cênicas pela USP na área de Teoria e Prática do Teatro. É dramaturga, performer, atriz, diretora, arteducadora e pedagoga de gênero. É formada em Artes Cênicas e Interpretação Teatral pela UnB e Direção Teatral pela UFBA. Defendeu este ano sua pesquisa de mestrado intitulada “Práxis Queer da cena: Percurso de corpos travestigêneres e trans não Binários nas artes cênicas contemporâneas brasileiras” sob orientação do estudioso de Teatro e Gênero Prof. Dr. Ferdinando Martins, professor da USP. É auto das obras autobiográfica “fRuTaS&tRaNs-GRESSÃO. Histórias para Tangerinas e Cavalas-Marinhos.”(2018); “COCO!” (2019); “FURA! ou um objeto de penetração!” (2020) e “Cartas Para(Ti)” (2021).