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Oficina Olhares: “Hormônios Femininos em Decomposição”, por Manfrin Manfrin

Publicado em: 06/12/2021 |


por Manfrin Manfrin, participante da oficina Olhares, especial para SP Escola de Teatro

 

Hormônios Femininos em Decomposição

Era tarde da noite e minha vizinhança estava silenciosa quando me deparei com esse amontado de reflexões e proposições que me provocaram e me deixaram acordada até tarde. Escrevo ainda de olhos ligados, pés inquietos e uma certa sensação de que não entendi nada. Talvez nem era para entender. Talvez o feminino seja um estado inconsciente. Incontrolável. Talvez o que entendi pertença apenas a mim mesma, e não cabe ser aqui exposto. Mas essas mulheres todas reunidas desejavam mais do que serem ouvidas. Ou melhor, não serem interrompidas. Qual é o som do seu sonho?
A obra digital “A crise do discurso como substantivo feminino”, por meio da estrutura online de presença virtual, nos apresenta em quadros uma sequência de opiniões, depoimentos, objetos de investigação, sobre o eu, sobre o ela e o feminino.
Investiga inicialmente de uma forma binária, pela dicotomia e não pelos temas: o oposto de. O que é o contrário de feminino. Antagonismos. Mesmo que desconstruídos, ainda reconstruídos. Uma polifonia de discursos que desde a primeira cena já vêm anunciados. Somos muitas. Múltiplas. E incapazes de cantar um coro só. Fomos criadas para um mundo que não merecemos, não foi isso que disseram? Vocês me apresentam o discurso como um substantivo de organização. Um jogo belo e infinito de sobreposições de imagem. De novo me vem o documentário de Ron Fricke, “Baraka”. Assistam se der! Esse filme não me sai da cabeça. Uma polifonia imagética, mas com intencionalidade. Com discurso! Como em uma poesia as palavras são colunas.
Na cena digital, a imagem é ação. São ações infladas. Palavras inflamadas em colunas rígidas em um corpo sem articulação. Neste momento achei lindíssima a frase “o feminino é o contrário da ansiedade!”
É um pensamento estrangeiro a mim. No entanto, me identifiquei. Meu feminino, em algum ponto, acredita fortemente nisso e vai contra a ideia de hormônios femininos associados a estresse e histerias freudianas. E eu também sou uma menina que não tem medo da chuva. Desta forma, recebo as lindíssimas imagens do banho, incríveis. Eu vim aqui mesmo é para me molhar.
Como dito em cena, a boca é o arco e a língua é a flecha. Escrever sobre essa obra me parece um exercício de recuo e avanço. Nesse sentido, a reflexão é o arco e a escrita as flechas. E a reflexão que o feminino por si só me faz permear os sete buracos da minha dor e é também como essa seta que a obra me dispara para todos os lados. Sim, uma obra tiroteio, porque talvez a seta única seja masculina. Talvez porque vale o exercício. Lembro de uma figura, uma senhora solidão, uma senhora que tem… uma senhora solidão gerando em fotos identidades do tempo.
Qual é o som do seu medo? Medos, para vocês, são impulsos bons ou ruins? São impulsos ou empuxos? Durante a cena sinto medo. Penso… me sinto novamente na noite solitária e silenciosa. Típica do medo. E que, entre as respirações e o silêncio, não há nada o que se dizer, nada sobre os meus defeitos. O que reconheço me pertence e quero apenas senhoras em sonhos amarelos. Senhoras Griôs amarelas de solidão.
A respiração gira na estrada de pedra e vai azul vermelho pula a gruta o medo. Aí vai pro forno essa mistura de mundo depressa. Gigante. O mundo gira e giram os pássaros. Hormônios femininos em decomposição. Sentido e lógica são entidades masculinas. Testosterona no corpo. Um corpo sem corpo no meio do caminho da voz. Uma sensação familiar. Belíssima, narra no meu ouvido a voz da trava. Vazio cheio! Vazia cheia! No meu meio, no seu meio, no meio do mundo. Ah São Miguel! Se pudesse…

*Manfrin Manfrin é mestra em Artes Cênicas pela USP na área de Teoria e Prática do Teatro. É dramaturga, performer, atriz, diretora, arteducadora e pedagoga de gênero. É formada em Artes Cênicas e Interpretação Teatral pela UnB e Direção Teatral pela UFBA. Defendeu este ano sua pesquisa de mestrado intitulada “Práxis Queer da cena: Percurso de corpos travestigêneres e trans não Binários nas artes cênicas contemporâneas brasileiras” sob orientação do estudioso de Teatro e Gênero Prof. Dr. Ferdinando Martins, professor da USP. É auto das obras autobiográfica “fRuTaS&tRaNs-GRESSÃO. Histórias para Tangerinas e Cavalas-Marinhos.”(2018); “COCO!” (2019); “FURA! ou um objeto de penetração!” (2020) e “Cartas Para(Ti)” (2021).

 




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