Por Bete Dorgam, atriz e professora de Interpretação e formadora do curso de Humor da SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco
Tento chegar a São Paulo, encravada entre carros de todos os tipos e tamanhos, com pessoas com aquelas caras apressadas e furiosas, ônibus com sanfonas no meio, caminhões que nos olham lá de cima. Chuva fina de inverno. Multa no rodízio, cinco minutos fatais. Carro-bomba no Paquistão. Centenas de pessoas deitadas pelos canteiros do Glicério, Largo da Concórdia, Gasômetro…
Flutuam as palavras de George Bataille: “Só o humor responde todas as vezes à questão suprema sobre a vida humana”… Outro George – o Minois – diz que o riso do século XX foi humanista, um riso de compaixão e de “desforra” diante das batalhas perdidas contra a maldade e a imbecilidade reinantes.
E o riso do século XXI? Como se caracterizará o riso deste século que ainda menino já carrega na mochila tantas questões que exigem soluções prementes. Urgência espalhada e alimentada pelas redes, máquinas, celulares, academias, shoppings, imagens caleidoscópicas propondo novas e instigantes combinações a cada microsegundo em que respiro o ar poeirento de minha cidade. Poeira e chuva fina, igual a meleca.
Na escola, a máscara do palhaço se faz presente. E me pergunto que palhaço é esse, hoje? O palhaço da derrisão apocalíptica? Ou o palhaço da observação e do acolhimento da condição humana, potência máxima de desvendamento – acolhimento – transformação. O riso de punição e manutenção do status quo praticamente não se faz necessário. Não há mais paradigmas, há terremotos.
Não há padrões cristalizados, eles se multiplicam e se destróem em cinco segundos. Resta a condição humana em sua possibilidade de transcendência poética. O riso que acolhe aquilo que somos e que contém em si a infinita transformação, eterna e muitas vezes dolorosa. Uma longa jornada em direção a si mesmo e ao outro.
O riso que mergulha e interage com a pólis, que dela se alimenta e a ela retorna, em constante diálogo amoroso. O riso que talvez seja analisado pelos autores do século XXII não como o da constatação do vazio mas como aquele que tentou preenchê-lo.