Por Evandro Leal, especial para a SP Escola de Teatro
Sobre o trabalho “O FUTURO”, texto de Newton Moreno com direção de José Roberto Jardim.
Como a encenação pode lidar com um texto que aponta para a violência e ressentimento e mais nada? Um jovem é descartado num tipo de porão dos enjeitados por ter realizado um ato de violência. Uma jovem está ali também por ser incorrigível. Um diagnóstico de como tratamos nossos problemas como sociedade: escondendo-os na cela medieval sombria. Essas duas pessoas parecem ter na violência contra si mesmos e contra os outros suas únicas formas de relação com o mundo. O jovem espancou um homem por ser gay; jovem este que fora adotado por um casal homossexual e que se ressente disto. Aparentemente temos uma grande história aí, mas ela é estática. A contradição maior parece ser a de que uma pessoa adotada por um casal gay, e tendo um pai que o ama, propague violência homofóbica. Como o desfecho caminha para a destruição dos dois, fica por isso; resolvido. Aparentemente teríamos que nos interessar pelo fato de haver uma tensão erótica no ar, ou pela banalização da violência, mas isto é algo que vemos cotidianamente nos noticiários.
O cenário materializa o não-lugar em que os dois estão. Aquele fim de escada em que se acumulam quaisquer coisas. A escada também parece não dar em lugar algum. A imagem em preto e branco tira um pouco da crueza que poderia nos ajudar a sentir a realidade daquilo. Dá ao vídeo um ar de relato póstumo ou de acontecimento fora do tempo. A atriz em atitude de quase dança e por vezes sorrindo enquanto no texto fala de morte parece um pouco fora de ambiente, como se sobre o vídeo houvesse sido editado um áudio errado. O cartaz no início no qual está escrito: escola pública, sala de detenção, lugar esquecido parece vir de alguém esquecido também que em nosso tempo a escola pública, a coisa pública em geral está sob ataque. Como encarar a questão dos modelos de educação? A lógica punitiva é exclusividade da educação pública? Há uma interpretação de Maria Bethânia para a música Olhos nos Olhos, de Chico Buarque, em que ao fim da música a intérprete questiona a letra toda com um olhar e uma mão na cintura. O que a encenação poderia ter feito com um texto que aponta para a violência e ressentimento e mais nada?
* Evandro Leal é participante da oficina olhares: poéticas críticas digitais, oferecida pela SP Escola de Teatro e ministrada pelo crítico Amilton de Azevedo, que supervisiona a produção e edita o material resultante.