Por Cynthia Regina, especial para SP Escola de Teatro
Ainda não havia me convidado para assistir uma peça desde março. Sabe, quando você tem um tempo livre, caminhando pela redondeza do espaço cultural, pega o programa e dali a uma hora vai ter um espetáculo que você nunca tinha ouvido falar? E resolve, vou ver. Então.
Abrir uma programação online, links no zap… escolher tentar.
Entendi em mim que já era tempo de ir ao teatro.
Escolhi pelo nome, pelo horário, não sabia o que esperar, e fui.
Mandei mensagem para um amigo, vamos assistir uma peça hoje? Não sei do que se trata, mas vamos nos arrumar, começa 20h30.
Às 20h abrimos um link no Zoom, na outra aba o ingresso online, uma espera na página do YouTube.
Dentro (Abertura de Processo). Me chama atenção a quantidade de atores na imagem que nos recebe, e a canção instrumental forte que busca nos ambientar.
Ouvimos o sinal, péémm, péém, pééém. Meu amigo vibra. Ainda é teatro! “Teatro nunca começa no horário, até no online. Cê sabe que é ao vivo de verdade quando atrasa.”
Quadrados pretos nomeados. Um aviso/recepção quebra a expectativa, introduz a companhia. Como organicizar uma mostra de processo? Me pergunto.
E então, começamos.
Aos poucos, os ambientes se desdobram, os quadrados vão se apresentando:
Uma mulher sem janelas, um garanhão tomando banho, um sofá vermelho que carrega um homem, uma planta que esconde uma jovem… e assim vão crescendo imagens, se polifoniando de vozes, individuais em seus movimentos, sussurrando textos desconexos, até um encontro com a plateia. Nos olham nos olhos, buscam nossa presença. Tão logo começam a se relacionar, chamam nomes de outros quadrados, que respondem. Tem medo. Voltam para o escuro da tela e se põem a dançar. Momento onde o processo se apresenta, a pesquisa individual de cada atuante em seu espaço, se coletivizando no intento de costura através da trilha sonora, grande, reconhecível, que sustenta os tantos quadrados em distância.
Novo apagão, nova espera, o que estão preparando para nós?
A interação entre os quadrados é frágil; desejo que me olhem de novo. Que me digam palavras, que me contem seus corpos além.
De repente todos os quadrados pretos se vestem de branco, vão formando suas imagens, se complementando, se opondo, mas estão de branco, podem estar no mesmo espaço. É grande a potência de todas essas janelas de corpas à minha frente, abertas ao mesmo tempo. Como potencializar solos e duplas, trios… ainda com a presença coletiva em cena? Deixo no ar.
Os rastros de experimentação vão sendo deixados, é momento de se despedir de quem veio visitar a casa, e as janelas acenam.
O diretor agradece, o público bate palma nos comentários, ninguém fica de pé.
Como escreveu certa vez o crítico e historiador teatral argentino Jorge Dubatti, “Ninguém vai ao teatro para ficar sozinho”. Buscamos uma presença, um encontro, uma história. Em Dentro encontramos muitas janelas de possibilidades, fervura no movimento, e um impulso acuado, que poderia ser explorado a partir da pergunta “O que eu quero dizer?”.
Espero uma nova esquina virtual para encontrar essas oito janelas abertas, confiantes que o processo sempre entrega a narrativa à quem busca escrevê-la.
Apagam-se as luzes, fecham-se as abas-cortinas. Aguardemos o próximo espetáculo.
* Cynthia Regina é participante da oficina olhares: poéticas críticas digitais, oferecida pela SP Escola de Teatro e ministrada pelo crítico Amilton de Azevedo, que supervisiona a produção e edita o material resultante.