Todas as sextas e sábados, às 20h, a unidade Roosevelt da SP Escola de Teatro recebe apresentações exclusivas do espetáculo Sapathos, da Cia Os Zzzlots. As apresentações, que tratam de temas como racismo, preconceito e transfobia, fazem parte da residência artística que o coletivo realiza na instituição até o dia 25 de junho. Em entrevista à equipe de comunicação da SP, Matheus Martins, estudante de atuação da SP que integra o elenco, contou um pouco de como tem sido a experiência.
A partir de uma proposta realista, a peça traz reflexões e questionamentos sobre temas atuais e importantes, procurando instigar e provocar o público. Com direção de Gabi Costa, Paula Barros Diva, Ricardo Koch Mancini e Sergio Zlotnic, que também assina a dramaturgia, a peça se desenvolve em dezoito cenas curtas e tem um formato pouco tradicional que remete às palestras-performances. Nesse contexto, a narrativa é montada a partir de recortes jornal, cujas notícias são disparadas para o público em ritmo frenético, os fatos históricos do enredo são propositais e objetivam causar uma vertigem no espectador.
Para Matheus, que está no último semestre de atuação na Escola, a oportunidade de fazer parte do espetáculo é única, pois é a primeira vez do artista atuando em uma peça teatral profissionalmente. Em seu relato, ele conta que o convite foi uma indicação de um dos colaboradores da escola, João Rodrigo (Programa Oportunidades), com quem ele realizou uma pesquisa no grupo de estudos contemporâneos da instituição. Além de Matheus, Sapathos também conta a participação de outros estudantes da escola, que realizam estágio em direção sob a orientação dos artistas do coletivo, e em iluminação, direcionados por Guilherme Bonfanti, coordenador da área na SP.
Confira abaixo a entrevista completa:
O que te levou ao curso técnico em atuação da SP Escola de Teatro e a trabalhar com teatro?
Antes de entrar na SP trabalhei com moda por 10 anos, como assessor de imprensa, e passei por marcas como Louis Vuitton, Armani, Ellus, Topshop, entre outras. No entanto, sempre flertei com atuação e teatro, comecei a estudar na área na adolescência e fiz pequenas participações em peças e campanhas publicitárias.
Sempre quis fazer mais, mas não tinha o tempo para me dedicar aos estudos e de certa forma recomeçar. Com a pandemia, me vi 3 meses sem uma perspectiva de volta de trabalho, ainda mais como freelancer, e decidi que essa seria minha deixa para mudar. Sem contar para ninguém – apenas para minha irmã e meu pai – Me inscrevi no processo da SP e entrei na turma de atuação. Na época achava que até o processo terminar já estaria tendo aulas presenciais, mas acabei sendo um dos alunos filhos do modelo híbrido da pandemia da SP. No entanto, agora estou mais presencial do que nunca nas aulas e ainda apresentando o espetáculo Sapathos na própria escola!
Como tem sido a experiência de integrar o elenco do espetáculo e realizar essa residência na instituição? Como você conheceu o coletivo e foi cotado para fazer parte do elenco?
Por se tratar da minha primeira peça como ator quase formado, fazer parte do espetáculo Sapathos tem sido muito especial. O convite foi feito pelo Sergio Zlotnic, que veio falar comigo por indicação do João Rodrigo, analista de projetos do Programa Oportunidades da escola, que conheci quando fiz parte do grupo de estudos contemporâneos. Em janeiro de 2022, Sergio entrou em contato comigo e me contou a história da Cia Os Zzzlots, explicou o interesse que o grupo tinha em mesclar teatro com psicanálise e temas contemporâneos e me mandou todo o material da peça para ler e ver: a versão online, o texto, a versão morta da peça (como o ele chama a versão de peça gravada). Assim, eu pude estudar e entender de que forma eu caberia dentro do texto. Algumas semanas depois nos reencontramos, eu falei que adorei o texto e que gostaria muito de participar sim. Ele me explicou mais ou menos como seria o cronograma para começar a nova montagem e disse que mais pra frente começaríamos o processo.
O espetáculo de 2022 difere muito do apresentado em 2020? Quais você acredita que foram as maiores mudanças?
Na Sapathos 2022 o tempo de montagem foi curto, mas não menos precioso.
Houveram algumas poucas mudanças porque o elenco mudou e algumas cenas foram feitas a partir de relatos de parte do elenco antigo. Como a cena da Wella, que não cabia no corpo de ninguém, essa cena, por exemplo, se manteve pela metade em um relato gravado para respeitar o local de fala da pessoa preta e não-binária e foi adicionado no ao vivo pelo ator Flávio Borzi, como Cléo, que dá um show.
Qual é a temática de Os Sapathos? Como foi o processo criativo do espetáculo?
No meu caso, meu texto é baseado no relato de Anderson Costa, um arte-educador e ator mineiro, que é de Brumadinho e viveu a tragédia de 2019 do rompimento das barragens. O professor dá seu relato sobre a tragédia em um texto monólogo meio onírico sobre suas sensações em relação ao desastre. Tive a permissão de usar o relato de Anderson, porém fiquei com a difícil tarefa de repassar essa emoção e sensação de quem viveu umas das maiores tragédias ambientais do Brasil na pele. Em meu processo criativo para a peça eu quis trazer um pouco da minha emoção e ansiedade, mas quis trazer o Anderson comigo também. Me sinto um pesquisador de pessoas, e como tive a sorte de ter o relato de Anderson gravado, nele estudei a cadência da voz, como ele se mexia, e investiguei quais sensações e sentimentos eram causados em mim ao ouvir ele contando sua história. Foi um processo de achar a minha versão do Anderson, sem esquecê-lo e, ao mesmo tempo, ter o cuidado ao recontar essa história tão delicada, que pode ser transposta para os palcos.
Por Letícia Polizelli/ edição: Luiza Camargo