Leo Moreira Sá, estudante egresso do curso de Iluminação da SP Escola de Teatro, é um dos indicados da 33ª edição do Prêmio Shell de Teatro, com o CATS (Coletivo de Artistas Transmasculines), por sua pesquisa histórica e pelas ações de visibilidade e inclusão dos artistas transmasculines no Brasil, na categoria Energia Que Vem da Gente.
O lighting designer já ganhou a premiação em 2011, quando estava no primeiro semestre letivo na instituição de ensino. A conquista foi por seu trabalho de luz na peça Cabaret Stravaganza, dos Satyros, em parceria com Rodolfo García Vázquez, coordenador do curso de Direção e um dos fundadores da companhia.
Neste ano de 2023, ele concorre por ser um dos cofundadores do CATS juntamente com Daniel Veiga, também estudante egresso da SP. O coletivo foi criado para a comunidade transmaculina e com o objetivo de se autorepresentar ao invés de estar dentro de grupos mistos de maioria transfeminina.
Após a sua criação em 2020, artistas transmasculines de todo o Brasil começaram a se unir ao movimento pela visibilidade, representatividade e empregabilidade. A partir dessa articulação, o CATS já considera ter realizado parte de sua missão.
Confira a entrevista na íntegra:
Por ser o cofundador do CATS, como você recebeu a notícia de estar na lista dos indicados do Prêmio Shell 2023?
Fiquei extremamente feliz com a indicação do CATS (Coletivo de Artistas Transmasculines) ao Prêmio Shell, porque isso representa um importante reconhecimento da luta por visibilidade e acesso ao mercado de trabalho artístico da comunidade de artistas transmasculines.
Como cofundador, essa indicação sem dúvida nenhuma tem um gosto especial, porque ao criar o CATS com o Daniel Veiga (também egresso e ex-professor da SP Escola de Teatro) nós dois iniciamos ao lado de tantos artistas transmasculines uma luta histórica e urgente contra o apagamento CIStêmico das nossas identidades e expressões artísticas.
Qual é o impacto dessa indicação para você?
Quando soube da indicação fiquei muito surpreso e emocionado. Como um pai ficaria em saber que seu filho recebeu uma grande honraria. Mas esse prêmio não é só dos seus fundadores, mas de todes que acreditaram, foram resilientes, lutaram e tiveram a coragem de levar em seu currículo ou mini bio o nome do CATS.
O impacto de uma indicação ao maior prêmio de teatro do Brasil para o CATS, não só para mim como para todes artistas transmasculines, é a certeza que nossa luta está enfim rompendo o ciclo histórico de silenciamento e alijamento de nossa plena cidadania.
Precisamos acessar o mercado de trabalho porque muites de nós vivem em situação de precariedade extrema, e sabemos que a nossa população tem um recorrente histórico de suicídios diários. Numa pesquisa feita pela Universidade Federal de Minas Gerais, 85% das pessoas transmasculinas entrevistadas já tentaram ou pensaram em se matar um dia.
Conte-nos um pouco mais sobre o trabalho que o coletivo vem fazendo e a relevância para a sociedade brasileira.
Desde nosso nascimento, movimentamos eventos em plena pandemia e isolamento. Nos conhecemos enquanto artistas e nos indicamos para diversos trabalhos, levando a pauta da visibilidade, representatividade e empregabilidade em debates importantes por todo país.
Temos também realizado desde o início do Coletivo uma pesquisa incessante em busca de registros de nossos transcestrais ao longo da história. É um trabalho árduo porque nossos pares políticos nunca tiveram sua existência transmasculina legitimada e foram sempre vistos vivendo uma farsa passível de punição pelo crime de “falsa identidade”.
A relevância de um coletivo de artistas transmasculines como o CATS para a sociedade brasileira é trazer ao debate as demandas de uma parcela da população silenciada e historicamente apagada, com o objetivo de mudar os paradigmas cisgêneros que demarcam e limitam o acesso à cidadania plena às pessoas transmasculinas. É o de justamente questionar a sociedade cisgênera no que se refere à ausência de demandas de trabalho para essa população, e de respeito à sua identidade de gênero autodeclarada. É esgarçar os limites impostos à nossa comunidade pelo CIStema artístico
Mas a maior das missões do Coletivo já foi cumprida: o de conectar artistas transmasculines de todo o Brasil que nem se conheciam e que hoje sabem que precisam se unir para retomar seu espaço de direito no mercado de trabalho artístico.
Para você, qual é a importância de ser artista e ativista em seus trabalhos?
Ser ARTIVISTA significa que o artista Leo Moreira Sá não se separa do ativista, vivendo nessa forma simbiótica movido por uma intrínseca necessidade de lutar por um mundo mais justo para a nossa comunidade.
Ser ativista não é uma escolha. É algo que grita dentro de nós exigindo um posicionamento político a priori. Já perdi trabalho, “amigues”, mas não consigo compactuar com qualquer situação que venha estigmatizar ou mesmo subrepresentar a vivência da comunidade trans.
E tode ativista sabe que sua luta não produz frutos imediatos que só se reflete em conquistas anos depois. Mas essa indicação para o CATS depois de apenas dois anos e meio de existência já é uma conquista e um estímulo bastante significativo para a continuidade da nossa luta.
Por ser estudante egresso do curso de Iluminação da SP Escola de Teatro, como você está levando esses aprendizados para sua carreira profissional?
Eu comecei minha carreira como ator e iluminador do Satyros em 2009 e quando escolhi o curso de iluminação da SP eu o fiz com o pensamento pragmático de que eu teria mais chances no mercado de trabalho do que se eu escolhesse o curso de atuação que era meu desejo.
A minha sorte foi que o formato dos cursos da SP Escola de Teatro não são estanques e dialogam um com o outro ao longo dos módulos semestrais de que são compostos. Isso possibilita que um aluno de iluminação possa interagir com outres alunes de outros cursos e absorver conhecimentos mais amplos.
Hoje minha profissão principal é a de ator, mas com certeza o curso de iluminação que fiz em 2010 me preparou não só para que eu pudesse propor um conceito de luz para o Cabaret Stravaganza pelo qual ganhei o prêmio Shell em 2011 ao lado do meu querido mestre Rodolfo García Vázquez, mas adicionou conhecimentos fundamentais pavimentando o início dos meus 13 anos de carreira artística.
Por Beatriz Pereira. Edição: Luiza Camargo