É possível transpor pinturas para uma peça de teatro, unindo duas linguagens artísticas diferentes? Este foi o disafio enfrentado por Joaquim Gama, coordenador pedagógico da SP Escola de Teatro — Centro de Formação das Artes do Palco, em uma experiência fora da Escola.
A ideia — analisar o conjunto de gravuras “Os Sete Vícios Capitais”, do flamengo Peter Brueghel, e representá-la no palco — resultou no espetáculo “Chamas na Penugem”. Com riqueza de detalhes e depoimentos de participantes, Gama explica e registra o processo de criação da peça no livro “Alegoria em Jogo — A Encenação como Prática Pedagógica”.
O volume será lançado e autografado pelo autor na sede Roosevelt da SP Escola de Teatro na terça-feira, 12 de abril, das 19h às 21h. Gama conversou com o portal da Escola sobre “Chamas na Penugem” e sobre o livro.
SP Escola de Teatro: Para criar o espetáculo “Chamas na Penugem”, você seguiu um processo específico que envolveu até a descrição oral de gravuras. Como surgiu a ideia de fazer a peça e seu processo de criação?
Joaquim Gama: A encenação fazia parte das propostas curriculares do curso universitário de formação para professores na área teatral. O processo de criação e a direção foram compartilhados com [a acadêmica] Ingrid Koudela. Nesse trabalho, duas perspectivas estavam em jogo: a formação artística e o docente. Tratou-se de trabalhar com os futuros professores de teatro dentro das relações entre a prática artística e as questões teóricas que envolvem um processo de montagem. Ao contrário de um processo que surge de um texto dramatúrgico, em “Chamas na Penugem”, foram instaurados uma série de investigações cênicas que partiram da leitura de um conjunto de gravuras de Peter Brueghel – “Sete vícios Capitais”.
SP: Observando o resultado do espetáculo, como você avalia o processo de criação?
JG: A partir dos “protocolos” (materiais poéticos que avaliam o processo de trabalho) distribuídos ao longo do livro, podemos dizer que o espetáculo não só trouxe reflexões acerca do papel do professor de teatro, como viabilizou um processo de pesquisa teatral voltado às questões da contemporaneidade, mesmo tratando do universo mítico da Idade Média.
SP: “Chamas na Penugem” tem uma relação íntima com as artes plásticas. Na SP Escola de Teatro, vemos que, a cada semestre, outras artes cruzam com o teatro – agora, por exemplo, a música de Elza Soares inspira os aprendizes. Qual a importância do intercâmbio artístico para o teatro?
JG: O Teatro é uma linguagem que se realiza no diálogos com outras linguagens. Múltiplas linguagens dão forma e conteúdo à cena. O texto cênico nada mais é do que o encontro entre a visualidade (cenografia, figurino, luz…) com o som (sonoplastia, fala, musica…) e inúmeras possibilidades de expressão que cena pode propor.
SP: Em seu livro, você começa a definir a alegoria separando-a em duas classes: a alegoria dos poetas e a alegoria dos teólogos, ambas com registros anteriores à Idade Média. Acha que temos uma, hoje, uma alegoria contemporânea?
JG: Sim. Trata-se de um saber, de um bem cultural que está atrelado à própria experiência dos indivíduos e à maneira como lidamos com os sentidos que damos à vida. Evidentemente, ela se manifesta de muitas outras maneiras na contemporaneidade. Mas ainda é a base de doutrina religiosa, está atrelada às perspectivas narrativas que tanto mobilizam nossas imaginações, às fabulas e aos mitos. No Teatro pautado em estruturas imagéticas, é possível também encontrar vestígios que se relacionam com a alegoria. [O diretor americano] Bob Wilson é um exemplo. Mas se fosse para eleger um modelo alegórico contemporâneo, seria possível afirmar que as propagandas de TV lidam com os mesmos princípios encontrados na alegoria clássica.
SP: O trabalho reunido em “Alegoria em jogo – A encenação como prática pedagógica” influenciou, de alguma maneira, as ações pedagógicas da SP Escola de Teatro?
JG: Sim. No livro estão expressas questões ligadas à Pedagogia do Teatro. Ou seja, não se pensa mais o ensino do Teatro desvinculado da prática artística. O fazer deve acompanhar as reflexões teóricas sobre o trabalho do artista e vice-versa. Na SP Escola de Teatro, buscamos dirimir a distância entre a formação do artista da cena e a realidade do teatro fora da Escola. Teatro e Escola devem estar em diálogo.
Serviço
Lançamento do livro “Alegoria em jogo – A encenação como prática pedagógica”
SP Escola de Teatro – Praça Roosevelt, 210, metrô República, 3775-8600
Dia 12 de abril, das 19h às 21h
Grátis e aberto ao público