Por Evandro Leal, especial para a SP Escola de Teatro
“A arte de narrar está definhando porque a sabedoria – o lado épico da verdade – está em extinção.” (Walter Benjamin)
Histórias por detrás dos rostos clicados por uma Polaroid. Uma curiosidade alegre no sentido forte da palavra. Um rosto é uma política, disse Gilles Deleuze, e talvez atrizes e atores saibam muito disso. Da importância de uma expressão, de como as marcas deixadas pelo tempo e as expressões podem revelar muito sobre uma vida. Não só o que o tempo imprimiu, mas o território, a descendência, o desejo. Como seriam as coisas se ao invés da superfície em um rosto enxergássemos uma profundidade e… histórias! Todo rosto pode ser o Aleph de Borges através dos quais vemos tudo que existe, todos os grãos de poeira, todas as folhas das árvores, todas as formigas do mundo! Todo o maravilhoso por detrás desta ideia me faz pensar em como contar essas histórias. E sobre contar histórias, eu, rapaz urbano, pouco viajado, precisei da condução de Walter Benjamin, falando sobre a arte de narrar:
“O narrador retira da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas às experiências de seus ouvintes.”
O que nos leva a essa atenção viva às histórias que alguém nos conta, sejam elas relevantes ou não, sejam uma realidade ou uma invenção? Sempre admirei nas pessoas simples que encontrei pela vida afora essa admirável arte de contar, de nos assustar propositalmente com histórias sinistras ou nos fazer rir das coisas do dia a dia. É complicado, porque uma história em que o amor vence a repulsa de uma mulher estuprada sucessivamente e a faz finalmente sentir algo por um nascituro resultado dessa violação é bastante impressionante. Para ouvir uma história dessas temos que ser conduzidos até lá, mas no instantâneo da Polaroid não há tempo para nada.
É também sobre isso que Benjamin fala, sobre uma sociedade apressada e sempre ocupada, e em que os meios técnicos – como a Polaroid – determinam nossas vidas de tal forma que o tédio do trabalho de fiar, por exemplo, suspenso pela narração de uma história contada sem pressa, nos é desconhecido. O tédio é, para nós, um pouco melancólico.
Pode ser esse o sentimento de quem vê o bloco passar sem a ele poder se juntar, como no primeiro retrato instantâneo de Polaroides Secretas. O instante nos oferece belos quadros, composição de cores e rostos, porque um rosto definitivamente é algo e pode, por si só, contar uma vida ou aquilo que se supõe dela. Talvez seja por isso que a peça se efetive mais como flashes e menos como depoimentos alinhavados por uma dramaturgia que brinque com o espectador e o insira no jogo da receptividade que Benjamin nos fala.
* Evandro Leal é participante da oficina olhares: poéticas críticas digitais, oferecida pela SP Escola de Teatro e ministrada pelo crítico Amilton de Azevedo, que supervisiona a produção e edita o material resultante.