Construir provocações acerca da dramaturgia, do lugar que ela tem ocupado, e, principalmente, do seu modo de produção de sentido, foram os motes da mesa de discussão “Novos Modos de Produção e Sentido na Dramaturgia Brasileira”, promovida pela a SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco.
Mediada pela dramaturga Marici Salomão, a mesa foi realizada na terça (28). Durante a discussão, Roberto Alvim (dramaturgo, diretor e ator) e Rogério Toscano, (dramaturgo e professor de teoria teatral) abordaram temas como a dramaturgia e as artes plásticas. A palestra girou em torno não só da uma reflexão sobre os modos de produção de sentido da dramaturgia brasileira, mas, também, de como se deve pensar o fazer teatral por completo, em todas as suas instâncias.
Quem começou sua defesa pela singularidade e liberdade na dramaturgia foi Roberto Alvim, enquanto destilava pelos poros e trejeitos sua versão de arrebatamento e amor profundo pela arte. “O que é o ser humano se não um objeto a ser conhecido? Elimine a frase “conheça-te a ti mesmo” e a troque por “construa-te a ti mesmo”. Se descole dos discursos hegemônicos para a busca e conquista da singularidade. Descubra o que a métrica faz com o tempo e o espaço nas relações cênicas”, propõe.
Nas últimas décadas, foi possível identificar diferentes tipos de dramaturgias. Não apenas a do autor, mas, a do diretor, a do ator, assim como a do espaço, a da luz e a da cena. Tal alargamento de paradigmas buscou, e continua buscando, a criação de novos procedimentos formais, propondo nessa renovação uma relação também inédita que transforma o espectador em leitor ativo das pistas que o texto fornece.
Segundo Alvim, a sociedade vive um momento riquíssimo no que se refere à dramaturgia. “Século XX, artes, plateias, sentidos, signos, vocabulário de ordem abstracionista… Hoje, as questões estão sendo levadas a argumentos que contrariam os princípios básicos e gerais que costumam orientar o pensamento, numa revolução do campo da produção de sentido, onde arte e dramaturgia se entrelaçam. O campo da arte é sempre contracultura. O teatro se pauta numa ideia. O teatro é o espelho do seu tempo”, explica.
Para Marici Salomão, a dramaturgia contemporânea ganhou novo estatuto, ao deixar a mera condição de texto literário para alçar o patamar de texto cênico, realização que se tornou possível quando a própria teatralidade contaminou o texto teatral. O que antes era apenas mito (enredo, história) passou a abarcar a opsis (o espetáculo, a representação).
A fala de Rogério Toscano, em contraponto, demonstrou a serenidade de um dramaturgo que trabalha numa tecelagem e estabelece uma rede de fios engendrados por novos modos de discursos, linguagens e que apontam uma possibilidade de vivenciar a relação desafiadora entre texto, diretor, ator e cena. “Sempre trabalhei com o processo colaborativo, assim, busquei processos técnicos que culminaram com a ideia de constituir um traço que fortifica e cria vozes na tessitura dos meus textos. Percebi, então, que toda técnica é ideológica e há necessidade de as histórias serem problematizadas e dissolvidas. Entretanto, a ignorância é castradora: É preciso saber ignorar, destruir e triturar certezas. Somente assim é que se encontra um caminho para estabelecer a sua arte, a sua forma e seu conteúdo”, explica Toscano
O trio termina a palestra discutindo fervorosamente a importância de entender que os clássicos textos da dramaturgia nasceram como uma ruptura e que o teatro só pode existir quando ele se reinventa permanentemente. “É necessário utilizar o clássico como exemplo, não como modelo. Deve haver sempre oposição e ruptura radical. Não se trata de sentar e escrever bem. Isso é essência do academicismo. É preciso compreender o sistema das relações formais e ver se o texto para em pé, promovendo a ampliação das experiências humanas. Nunca se esqueçam: O teatro é o terreno da liberdade, por isso, procurem ser singulares”, conclui Alvim.