![Aula Inaugural do 1° semestre de 2025 com Regina Muller, na unidade Brás da SP Escola de Teatro. (06/02/2025) | Foto: Clara Silva](https://www.spescoladeteatro.org.br/wp-content/uploads/2025/02/Aula-Inaugural-com-Regina-Muller-31.jpg)
Aula Inaugural do 1° semestre de 2025 com Regina Muller, na unidade Brás da SP Escola de Teatro. (06/02/2025) | Foto: Clara Silva
Regina Müller é antropóloga e atriz performática. Foi uma das membras do grupo Dzi Croquettas e é referência acadêmica e performática na mescla entre antropologia e arte, se dedicando, desde os anos 1970, às performances inspiradas por artistas mulheres, como Frida Kahlo e Carmen Miranda.
Formada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP), mestra em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), doutora em Antropologia pela USP e pós-doutora pela New York University (NYU), Regina ingressou, em 1987, como professora do Departamento de Artes Corporais do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Sua pesquisa se concentra principalmente nos estudos sobre etnologia indígena, performances, rituais e arte indígena, que renderam publicações e autorias de livros, como “Os Asuriní do Xingu: história e arte” e “Performance, arte e antropologia”.
Regina Müller foi a artista convidada a falar aos estudantes, coordenadores da Escola e artistas docentes na aula inaugural do semestre letivo, que ocorreu no último dia 6 na unidade Brás da SP Escola de Teatro.
E leia a entrevista a seguir:
Você poderia nos contar um pouco sobre seu trabalho e a criação dos grupos Dzi Croquettes e Dzi Croquettas?
Os Dzi Croquettes foi um grupo que surgiu no Rio de Janeiro. Naquela época nem existia a palavra gay, eram viados (risos) que se encontravam e faziam essas coisas, em casa. Eram as nossas fantasias, os nossos sonhos de artistas. Eles se encontram, então, com Lennie Dale, que traz toda a parte corporal, da dança e da estrutura. O espetáculo começa numa boate no Rio, depois vem para São Paulo, e então vão pro Theatro 13 de Maio e fazem muito sucesso. Os Dzi Croquettes fazem um teatro que é irreverente, mas tem uma perfeição estética, principalmente com a estrutura coreográfica que o Lennie dá, com a preparação corporal. É um grupo que vai revolucionar o cenário teatral de São Paulo e do Brasil, estando conectados com o fenômeno da contracultura dos anos 1970.
Os Dzi Croquettes propunham mais que uma participação, sim essa interação com o público no sentido de incorporarem as relações que se estabeleciam com os chamados tietes, os fãs que frequentavam o espetáculo. Dessa maneira, o show tinha novidades que diziam respeito às pessoas que estavam ali. Era algo parecido com o circo. Tinham os textos hilários de Wagner Ribeiro também. Tinha essa coisa do humor, o humor fino, o humor da sátira, o humor político, com essa alegria da vida, do corpo. Aliás, essa popularização das academias, eu acho que foi muito influenciada pela trajetória do Lennie Dale, que trouxe essa coisa do corpo como um lugar do prazer e da comunicação. Como é na arte da performance, o corpo é o meio e a mensagem.
Logo, veio a ideia para as Dzi Croquettas. Havia um grupo de mulheres no público presente em todos os espetáculos. Com a interação com os espectadores, que era marca dos Dzi Croquettes, esse grupo de mulheres despertou no Wagner a ideia de fazer a Família Dzi e com os mesmos princípios. Eles eram todos homossexuais, já as mulheres não, não eram todas. Nós não tínhamos essa bandeira, mas tínhamos o desejo da liberdade e da arte como exercício dessa liberdade. Uma arte da alegria e da contestação, de se contestar através do riso e da beleza que choca.
Como antropóloga e atriz performática, como você entende que performance e antropologia se misturam?
Há muita influência da experiência do ritual, porque, assim como o ritual, a performance não é uma encenação. Você não tem personagens, você tem personas e tem uma experiência pessoal do ator e do público. Ou seja, é uma interação que diz respeito às relações e às ideias através da corporalidade, através da ação. É tudo muito apoiado no Richard Schechner, que é um teórico da performance na operação da transportação. Nos rituais de iniciação indígenas, por exemplo, há uma transformação das pessoas de jovens a adultos. Na performance, você tem uma transportação, mas não deixa de se tornar um outro. Só que, na performance, você vai e volta. Você se transporta, mas volta. E essa not me – not not me, sobre qual o Schechner fala, que é a experiência daquilo que não é você, mas também não é o não, não você; porque é você. Só que é o não você que é essa experiência da transportação, de você ser um outro e ao mesmo tempo você mesmo.
Essa é uma experiência que a performance traz e que está presente, também, nos rituais indígenas. As divindades, as entidades, são seres do cosmo. Um pajé é humano e não humano, mas esse não humano é o humano dele também, porque é o que se estabelece com esses outros, essas outras dimensões do cosmos.
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Aula Inaugural do 1° semestre de 2025 com Regina Muller, na unidade Brás da SP Escola de Teatro. (06/02/2025) | Foto: Clara Silva
A filosofia indígena permeia diversas questões, inclusive uma das mais importantes para toda a humanidade nesse momento, que é a ambiental. Para além de usar a arte como ferramenta de conscientização, como as expressões artísticas indígenas podem nos instruir nessa relação entre arte e ambiente, arte e preservação?
Para começar, a arte indígena é essa que está em todos os lugares. Está nos objetos utilitários, está na moradia, na construção da aldeia. Aqui, cito Berta Ribeiro, que pesquisou a vida toda e é uma grande referência para a cultura material. Foi uma das primeiras antropólogas que chamou a atenção para essa relação intrínseca dos povos indígenas com a natureza. Sejam os produtos da floresta, sejam os produtos agrícolas. É daí que vem a própria materialidade dessa arte. É um trançado, que é o trançado daquele povo. É um trabalho com algodão que é daquele povo. É uma pintura corporal, um grafismo, daquele povo. O cosmo e a floresta, produtos agrícolas, os animais… Há toda essa relação com o perspectivismo do Eduardo Viveiros de Castro. Esse universo que é muito diferente da nossa concepção que divide, que compartimenta.
Como trabalhar a arte tão urbana de São Paulo – teatro, dança, música, performance etc. – junto das linguagens artísticas indígenas que foram apagadas da história da cidade? O que falta para que essas referências sejam mais incluídas na cena artística paulistana?
É difícil, né? Uma pergunta que não sei te responder! O que falta pra cair a ficha?! É o capitalismo selvagem. É sobre poder, poder econômico. Mas existe uma resistência muito incrível. A população indígena está cada vez maior. Seja porque povos estão se identificando e se afirmando como indígenas, ou pelo próprio crescimento demográfico. Eu acho que é uma resistência muito importante. Falando em arte, tem uma exposição que está no MuBE (Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia), que se chama Arqueologia Amazônica. Maravilhosa, porque há peças arqueológicas, peças da arte tradicional, entre elas peças dos Assurini, do povo com quem trabalhei, e peças de artistas contemporâneos indígenas. Hoje temos artistas indígenas contemporâneos fantásticos que se despontam com uma arte contemporânea incrível.
O que você falaria aos estudantes, para aqueles que estão começando suas trajetórias artísticas no teatro brasileiro?
Continuem firmes acreditando na arte. Só o amor constrói e a arte é a nossa salvação.