A arte, quando enquadrada por modelos de ensino, pode perder sua potência de liberdade expressiva. Ensinar Direção Teatral, portanto, é um paradoxo, pois a condução da encenação requer um constante questionamento às regras, sejam elas sociais, morais ou políticas, o que pode colocar em cheque quem ensina, seja ele o mestre ou a instituição de ensino de arte.
Como e por que desenvolver um processo de ensino para que os aprendizes se tornem diretores teatrais? Não tenho uma resposta fácil nem simples. Creio que alguns aspectos da relação entre aquele que orienta e aquele que se dispõe a aprender devem ter uma relevância maior, como: a visão crítica construída nos processos de trabalho, o sentido ético do ofício, a abrangência dos saberes mais técnicos e uma constante investigação e provocação estética, que permitam acesso a todas as tendências e gêneros da manifestação teatral, sem preconceitos.
Entre tudo que rege a atividade de aprendizado, destaco aquilo que acredito ser o cerne do artista em si, que é sua visão ética. Ela contém enorme carga crítica. É dialética, ligada à realidade e dá sentido ao fazer teatral. Não é possível ser sensível ao mundo, dispor de uma visão crítica, sem que se tenha uma percepção da função social de seu ofício. Óbvio que não trato aqui da ética como visão corporativa do ofício, mas como a compreensão das regras sociais implícitas, geradas dentro uma determinada sociedade, de uma realidade específica. Portanto, uma ética em constante transformação, que é oriunda da moral de um tempo.
Observar esse tempo, contextualizar as situações historicamente e a vida humana de modo mais atemporal, permitem que o artista opte por um tipo de interferência na vida social. Sua atuação pode ser amoral, imoral ou moral. Mais importante que saber qual opção fará, é saber se ela é consciente. Essa é a melhor função de um formador: questionar-se sempre! Isso é que pode atingir o aprendiz e abrir caminhos para descobertas: verificar se ele está em constante questionamento também. Por outro lado, se os dois tiverem certezas rígidas, melhor largar o processo, pois perderam o interesse pelo aprendizado-ensinamento e, no caso da arte, o desinteresse é fatal. E mais difícil, o formador tem que verificar, cotidianamente, se está apontando apenas trilhos conhecidos ou se está abrindo todos os caminhos possíveis para o aprendiz.
Sem dúvida, nenhum desses aspectos cerca totalmente a questão, mas orienta rumos. O aprendiz, que busca compreender o universo teatral, deverá ser colocado diante de desafios absolutamente iguais aos que um diretor teatral enfrenta em seu cotidiano. E o artista-formador deve estar em constante atividade de seu ofício, em ação, em risco, para receber provocações e colocar em questionamento sua obra artística e seu potencial como formador, evitando consolidar verdades sobre a cena.
Enfim, o melhor trajeto não é o mais curto, mas o mais desafiador. Somente assim, as regras pedagógicas serão devoradas diariamente para que não devorem a arte que se produz numa escola de arte. Ao contrário, aí é que todos teremos, antropofagicamente, o que colocar na nossa mesa teatral.
Hugo Possolo, palhaço, dramaturgo e diretor dos Parlapatões e do Circo Roda.