Aconteceu na última quinta-feira, 17, o lançamento do livro Eternizar em Escrita Preta, do Prêmio Solano Trindade 2021, promovido pela SP Escola de Teatro, instituição gerida pela Associação dos Artistas Amigos da Praça (Adaap).
O evento aconteceu no hall da sede Roosevelt da instituição e contou com a presença das três escritoras selecionadas: Amanda Carneiro, autora de Atropelo, Amanda Pessoa, autora de Limiar ou Primeiro Impulso que Algo Aconteça, e Mariana Ozório, autora de Piscinas: um Estudo sobre Águas. A edição traz os três textos autorais que foram escritos separadamente, mas publicados em coletânea, a fim de traçar um panorama da nova produção dramatúrgica de jovens autoras negras no Brasil.
A obra pertence ao Selo Lucias, programa editorial da instituição que publica livros no campo das artes (teatro, dança, cinema e literatura), da pedagogia, das ciências sociais e da psicanálise e seu título é uma homenagem à Lúcia Camargo, importante gestora cultural e também colaboradora da SP Escola de Teatro que faleceu em 2020.
Em entrevista concedida à SP Escola de Teatro, as dramaturgas contaram seus sentimentos sobre o lançamento do livro e a importância do reconhecimento de seus trabalhos.
Confira a entrevista completa:
Como vocês estão se sentindo com o lançamento do livro?
Sou Amanda Carneiro, autora de Atropelo, e estou muito contente, feliz, realizada e celebrando aqui junto com as meninas, porque é muito difícil ter espaço para divulgação do seu próprio trabalho, da sua dramaturgia, e ainda mais um trabalho que valoriza a sua ancestralidade, então eu acho que essa é a parte que mais me dá orgulho: de ser sim um livro, uma coletânea, de escrita preta. E esse nome, inclusive, “Eternizar em Escrita Preta” é lindíssimo, então eu estou super feliz.
Sou Amanda Pessoa, autora de Limiar, eu me sinto muito realizada com o dia de hoje e em especial por estar dividindo esse trabalho com a Mari e com a Amanda. Eu acho que no momento que a gente vive no Brasil é essencial o protagonismo de outras vozes na cultura e na arte, podermos mostrar o nosso trabalho e com ele inspirar outras pessoas, para que elas também possam se ver representadas e acreditarem no seu potencial.
Sou Mariana Osório, autora de Piscinas: um estudo sobre as águas, hoje é o nosso lançamento e eu me sinto muito orgulhosa de saber que reverberou dessa forma a ponto de a gente estar aqui na Escola, com leitura de trechos das nossas dramaturgias. Eu acho que é a oportunidade de ampliar e de vocalizar novas vozes no cenário cultural, no cenário dramatúrgico, até porque a gente não tem uma formação específica e parece que a gente só é autora, só é dramaturgo, quando a gente é publicado. Ver a materialidade disso e ver isso ganhando repercussão em um Estado, em uma cidade que é tão vibrante como São Paulo, eu acho que não é uma conquista só para nós três pessoalmente, mas para outras mulheres negras entenderem que elas também podem e devem ocupar esse lugar, esse lugar que também é delas. Ter um edital voltado especificamente para a população negra, isso é muito importante.
Como vocês estão se sentindo por terem seus textos autorais publicados conjuntamente?
Mariana Osório: Eu acho que é maravilhoso, ainda que sejam escritas separadas, continuam sendo textos separados e não necessariamente fazem um caminho de um até outro, é uma dramaturgia única. Eu acho que é muito belo, porque o protagonismo não vai só para uma pessoa, mas para vários, como é o nosso caso. Entender que a gente não tá sozinha nesse processo, talvez nesse começo de ser reconhecida, existem outras vozes, outras escritas de alguma forma parecidas com a nossa.
Amanda Carneiro: Eu fico muito feliz, porque tudo o que eu publiquei até agora foi em coletivo, foi junto com outras escritas e eu me sinto muito confortável nesse lugar, porque é isso, é sobre pluralidade e existe muita pluralidade dentro das diversas perspectivas pretas. Eu sou do Norte e cada uma é de uma região, a Amanda Pessoa é do interior de São Paulo, mas escreveu esse trabalho quando estudava na Universidade Federal da Grande Dourado em Mato Grosso do Sul, e Mariana Osório é de Belo Horizonte. Então só falando dessa geografia já tem perspectivas muito diferentes, tem muitas formas de ser.
Amanda Pessoa: Eu compactuo disso que as meninas falaram e eu acho que complementando com que a Amanda Carneiro falou, a geografia, cada uma de nós veio de um lugar diferente atravessado pelos contextos que a gente vive, só que o livro dialoga na escrita preta e cada uma de nós dialoga com outras vozes, então é um trabalho colaborativo. Eu acho muito importante e potente isso, nós não estamos sozinhas e nesse início outras forças são necessárias para que a gente possa ter mais potência de conseguir alcançar uma certa visibilidade e ao mesmo tempo inspirar outras pessoas para que elas continuem essa caminhada.
Amanda Carneiro: Não são três vozes, são muitas vozes, em cada história e em cada dramaturgia, todas as pesquisas que a gente fez, tudo o que a gente já carrega, não são apenas vozes de quem concebeu o livro e de quem concebeu o prêmio.
Sobre as autoras:
Amanda Carneiro é dramaturga, poeta e compositora paraense. É mestra e graduada em Teatro pela UDESC e UFPA, respectivamente. Integrou o Núcleo de Dramaturgia do SESI-SP (2020) e o Círculo de Dramaturgias do SESC-SP (2021). Possui poemas em revistas literárias e coletâneas como Trama das Águas, publicada pela Monomito Editorial. Coautora da peça teatral Zeca de uma cesta só, vencedora do Prêmio Especial do Júri pela capacidade de criação de uma arte política do Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau-SC (2016) e autora da peça “Estados de Consciência”, publicada pela SESI-SP Editora.
Amanda Pessoa é Licenciada Historiadora (2015), mestra em sociologia (2019) e bacharelanda em Artes Cênicas (2021) pela UFGD. É mãe de Caetano Pessoa Jara (lê Rara) — desde 2019. Possui experiência em estudos das representações etnicorracias na TV e no teatro. Em 2020 foi atriz no espetáculo “Dom Casmurro” (Vencedor do Prêmio vozes da Cultura – Assis 2020). Em 2019 realizou a performance “Sobre Chorar o Leite Derramado” — fala de um corpo vertido em leite que tece sua trama, ao mesmo tempo em que trata de lugares-comuns atribuídos ao corpo materno e negro. Foi colaboradora da dramaturgia no espetáculo “Maldita Bendita Pensão” (2018). No mesmo ano foi colaboradora da dramaturgia do espetáculo “República de Vidro”, com direção de Carla Ávila e Rodrigo Bento. Em 2018 pesquisou sobre a utilização de fontes documentais na construção dramatúrgica do espetáculo “Limiar” — que teve como tema central narrativas de pessoas em situação de refúgio (sob orientação de Junia Pereira, Igor Schiavo e Michel Mauch).
Mariana Ozório é dramaturga, atriz em formação pelo Teatro Universitário da UFMG e psicóloga clínica pela PUC Minas. Foi aluna do Curso Livre de Teatro do Galpão Cine Horto (2016-2018). Em 2019, escreveu, dirigiu e atuou em seu solo “Pele”, na Mostra de Monólogos do Galpão Cine Horto (BH). Desde 2020 tem se aprofundado na escrita dramatúrgica e, atualmente, se dedica à escrita de duas dramaturgias e um livro de poemas & contos. É dramaturga do podcast “Corte Perfeito Para” e, desde 2021, integra a produção geral do podcast. Seu texto “….pontos….” faz parte do livro “Mentiras e outros pequenos furtos: um inventário da verdade” (2021).Está em processo de lançamento do seu livro peito cheio pela Editora Urutau.
Por Beatriz Pereira e edição Luiza Camargo