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Cleyde Yáconis por Mario Persico

Publicado em: 06/06/2013 |

“Não sei o que é a solidão. Nunca me senti só. Acho fantástico ficar comigo mesma, com meus milhões de dúvidas e preocupações”
Cleyde Yáconis
(14/11/1923 – 15/04/2013)


Discreta na vida e na morte. Uma vez, li uma entrevista onde Cleyde Yáconis falava levar uma vida calma. Trepar na jaboticabeira e dirigir seu Maverick preto no eixo Rio-São Paulo eram seus hobbies prediletos. Dizia: “Mais de seis pessoas, pra mim, é multidão”. “Não visito atores e atores não me visitam.” Deixava sempre claro seu amor ao teatro, a possibilidade de descobrir o significado das palavras – o poder de uma pausa, a importância de uma vírgula a fascinava. Só não gostava mesmo era da entourage. Saiu de cena tão à francesa; de repente, soubemos que estava internada há meses. Só soube de sua partida quando já era fato consumado.

Certa vez, e lá se vão bem uns 40 anos, briguei com meus pais e resolvi passar o Réveillon sozinho em casa. Sozinho, não. Passei escrevendo uma longa carta para Cleyde. Desde que a assisti na novela “Os Inocentes”, de Ivani Ribeiro, na extinta TV Tupi de São Paulo, fiquei completamente apaixonado pela atriz. Não me lembro mais o que dizia a carta. Lembro, sim, que era longa, umas dez paginas. Haja assunto! Dividia com ela minhas dores do momento. Intimidade? Muita, afinal eu a via todas as noites. Mais que isso, automaticamente, passei a estudá-la, decifrá-la. Sua dicção, respiração, o olhar que quando queria se tornava astuto e soltava faíscas. O gestual, tudo, tamanho era o fascínio que sua figura provocava em mim.

Naquela época, devia ser 1973, eu ainda nem fazia teatro. Era apenas um fã. Posteriormente, Cleyde foi a atriz que mais vezes vi e revi em cena. Em 1979, “matei” um ensaio pra ir a São Paulo assistir a “A Nona”, com direção de Flávio Rangel, e voltei mais duas vezes. Na década de 1980, assisti cinco vezes à “Cerimônia do Adeus”. “Agnes de Deus”, duas; “Caminho para Meca”, sua peça derradeira, três. Além das novelas e teleteatros. Então, eu tinha mesmo muito assunto e intimidade.

Voltando ao Réveillon em questão, lembro que quando deu meia-noite e começaram os rojões, eu estava ainda escrevendo a carta. Carta que ela nunca recebeu. Não tinha seu endereço, mas sabia que fãs mandavam cartas para a Globo e que a emissora entregava ao destinatário. Mandei, e a recebi de volta algumas semanas depois. Durante muitos anos, guardei aquele envelope devolvido. Mas não abri, não reli. Quis o destino que ela nunca a recebesse e penso mesmo agora que foi melhor assim. Que tortura receber uma carta tão longa de alguém absolutamente desconhecido e se julgando tão próximo, a ponto de dividir suas mágoas.

Soube de seu velório só depois. Ligia de Paula, presidente do Sated-SP (Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversão de São Paulo), esteve lá nos representando. Disse ter sido lindo, sereno. Foi na própria casa da Cleyde, em São Paulo. Mais uma surpresa. Achei que morasse apenas no sítio, aqui perto de Jundiaí. Na cerimônia, apenas vizinhos, os filhos de Cacilda (Becker) e, mais tarde, ao que consta, Stênio Garcia, que foi seu marido, também passou por lá. Mais ninguém.

A dama discreta saiu de cena sobriamente. Sem entourage, sem atores, fãs, apenas alguns amigos. Acho que ela aprovaria.

Mario Persico

 

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