Nesta última semana comemorou-se o centenário do mais importante especialista em teatro russo e língua iídíche do Brasil, Jacó Guinsburg. Uma verdadeira personalidade do teatro brasileiro, foi um notório teórico, professor, tradutor, ensaísta, além de editor de inúmeras obras sobre o tema.
Nasceu em 1921, na cidade de Rascani, na antiga Bessarábia, território que hoje constitui a Moldávia. Em 1924, o autor emigrou com sua família para São Paulo, fugindo do antissemitismo que então dominava sua região natal. Ainda jovem, teve seu primeiro contato com as artes cênicas no clube progressista judeu Cultura e Progresso, despertando seu interesse pelo teatro brasileiro.
“Jacó Guinsburg é, seguramente, um dos maiores nomes da cultura brasileira. Um homem que a partir do seu olhar nos ensinou a compreender e a perceber a importância da arte nas nossas vidas. Durante muito tempo a Perspectiva, sua editora, foi solitária na publicação de livros, especialmente, de filosofia, ética, estética e, sobretudo, de teatro. Ele durante algumas décadas direcionou nosso olhar, ele nos ensinou o respeito pela arte e pela reflexão. O trabalho dele é enorme, é grande e muito poderoso. Mesmo depois da criação de outras editoras, mesmo depois que o Brasil começou a ter várias linhas e processos de pensamentos, sobretudo, a partir dos anos fins de noventa, a editora perspectiva passou a ser uma das mais influentes, mais importantes e durante todo esse tempo a gente se informou e apendeu com o trabalho dele”, comenta Ivam Cabral, diretor executivo da SP Escola de Teatro. Os dois eram amigos e dialogavam muito sobre as perspectivas das artes cênicas no Brasil. Alguns desses encontros foram realizados na SP Escola de Teatro, projeto no qual o crítico teatral era um grande entusiasta.
Guinsburg estreou na cena intelectual paulista em 1948, com a fundação da editora Rampa e depois atuou como jornalista no suplemento literário de O Estado de S. Paulo e na revista Brasil-Israel, onde publicou seus primeiros textos de crítica teatral. Em 1973, Jacó teve sua tese de doutorado sobre literatura e teatro iídiche orientada pelo ilustre Antonio Candido. O tema de sua livre-docência foi Stanislavski e o Teatro de Arte de Moscou.
Se aposentou em 1991 e em 2001 recebeu o título de Professor Emérito da USP. Em paralelo a seu trabalho como mestre fundou a Editora Perspectiva, a qual tem mais de 150 títulos publicados sobre teatro, e cerca de trezentos títulos dos mais diversos temas: literatura, arquitetura, semiótica, filosofia, psicanálise e crítica. A editora apresentou para o Brasil autores importantes e de grande influência no ideário ocidental da segunda metade do século XX, tais como Erich Auerbach, Bashevis Singer, Umberto Eco, Roman Jakobson, Max Bense, Martin Buber, Tzvetan Todorov, Anatol Rosenfeld. O papel da Perspectiva dentro do cenário acadêmico brasileiro se expande ainda com a publicação excepcional dos artistas concretistas Haroldo de Campos e Augusto de Campos.
“Ele faz muita falta nesse momento no Brasil, porque ele era um cara que tinha muita esperança nas pessoas. Acreditava na arte e eu tive o privilégio de conviver com ele pessoalmente. Muitas vezes eu ia pela manhã, as quintas-feiras, bater um papo com ele na Perspectiva, lá na rua Brigadeiro Luiz Antônio. E todas essas vezes era de uma iluminação impressionante. Eu sempre aprendia muito com ele. Ele era um visionário, uma pessoa acompanhava muito de perto o que estava acontecendo na cultura brasileira e eu só agradeço por ter conhecido esse homem incrível e por ter convivido com ele durante o tempo em que ele me recebeu lá no seu gabinete, no seu escritório, na sede da Perspectiva”, relembra Ivam do amigo, que faleceu em outubro de 2018 vítima insuficiência renal.
O intelectual escreveu artigos acadêmicos, ensaios de literatura e teatro, coletâneas de contos e até poesia, tendo publicado cerca de 11 livros no geral. Alguns títulos que se destacam são:
Da cena em cena (2001); no ensaio, o autor discute a respeito do papel do homem no teatro no contexto da comunicação em massa, encontrando saídas para os impasses da atualidade na valorização dos elementos básicos da arte teatral e na assimilação das artes surgidas no século XX, como a televisão e o cinema, por este.
Teatro Brasileiro: Ideias de Uma História (2012); A obra trabalha a historiografia do teatro nacional, em conjunto com Rosangela Patriota, Guinsburg questiona e reflete as raízes dos paradigmas teatrais estabelecidos na atualidade.
O que Aconteceu, Aconteceu (2001); nesta obra parte da experiência como imigrante judeu para relatar em narrativas curtas e bem-humoradas um pouco do complexo e diverso mundo judaico, para além de um livro de contos cumpre um importante papel documental, pois relata memórias da cidade de São Paulo e da história política brasileira.
Além desses o autor também produziu obras como; Semiologia do Teatro (1986); Tairov: Notas para um Teatro de Síntese; Meierhold e Grotowski; Quarenta anos de Habima; e seu livro de poesias publicado em 2018, Jogo de palavras.
Por seu trabalho no ramo editorial recebeu o Prêmio Shell de Teatro e, em 1975, a Medalha Anchieta da Câmara Municipal de São Paulo, além dos prêmios Mambembe de Teatro e do prêmio de Mérito Intelectual Judaico. Em 2010, o crítico também foi homenageado no evento ECUM (Extensão paulista do Centro Internacional de Pesquisa sobre a Formação em Artes Cênicas): ´Presença e Palavra´, promovido pela SP Escola de Teatro.
Jacó Guinsburg teorizou a respeito de aspectos relevantes de concepções e correntes estéticas teatrais, explorando pioneiramente esse campo em especial no ramo editorial. Através de suas orientações, o professor trabalhou sobre diversos aspectos das artes cênicas, nos campos de discussão e reflexão sobre prática teatral, arte e educação.
Sua influência e importância reside para além da sua prolífica atuação como crítico e editor, na sua contribuição para a formação de gerações de artistas, pesquisadores e professores da área do teatro, dentre eles, Silvana Garcia, Maria Thais Lima Santos e Antonio Carlos de Araújo Silvia.
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