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Bravíssimo | Sônia Oiticica por Maria Thereza Vargas

Publicado em: 27/11/2014 |

Introdução do livro “Sônia Oiticica: uma atriz rodrigueana?”, de Maria Thereza Vargas, para a Coleção Aplauso da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo (Leia a obra, na íntegra)

 

Do 21o andar de seu apartamento, Sônia pode ver grande parte da cidade que, na verdade, por volteios do destino, é agora a sua cidade. Pela lógica, deveria estar no Rio de Janeiro, pois tudo levaria a crer que lá daria curso à sua carreira, e não em São Paulo, cidade tão diferente de seu temperamento alegre e divertido. Com a delicadeza proverbial – a mesma usada nos palcos – Sônia fala de sua vida e de seus trabalhos em teatro, cinema, rádio e televisão, em tempos árduos de conquista. Fala pouco. Se cansa. Interrompe, às vezes, para mostrar seus livros, principalmente aqueles de poesia – brasileira e/ou francesa. Conhece de cor muitas delas (acaba de fazer uma descoberta interessante: Coração Materno, cantada por Vicente Celestino e argumento ilustre do repertório do circo-teatro, é uma tradução de La Chanson de Marie-des-Anges, de Jean Richepin).

 

Sônia descende do Teatro do Estudante do Brasil, cuja ideia inicial era procurar formar atores clássicos. Pobres atores! Em breve encontrariam ambientes bem diversos dos que lhes apontara Itália Fausta. Mas Sônia não se fez de rogada. Se uma coisa aprendeu bem cedo, foi encarar a realidade e com ela conviver no melhor dos mundos. Passa pelo teatro brasileiro, com interrupções nada favoráveis à sua carreira, mas nem por isso deixa de estar atenta às luzes que lhe são acesas. Cumpre com coragem os seus momentos.

 

Alguém já disse que certos papéis deixam marcas irremovíveis. Com Sônia, não podia ser diferente. Marcou-a Julieta, da primeira montagem do Teatro do Estudante, tecida com infinitas doses de lirismo, docilidade e ardor juvenil. Uma surpresa, naqueles tempos de novos rumos a serem tomados pelo teatro brasileiro.

 

Sônia vem de uma família singular, ligada às artes, notadamente ao teatro. O livro O Teatro no Brasil, de J. Galante de Sousa, assinala o nome de Francisco de Paula Leite e Oiticica, senador por Alagoas, avô de Sônia, como o autor do drama histórico Dona Clara Camarão e mais uma outra obra dramática, sem indicação de gênero, intitulada Pai. Um dos filhos de Francisco de Paula, José, além de filólogo e tradutor de Racine e Corneille, professor de prosódia e poeta, é autor de várias peças: Azalan (passada entre os presos de Fernando de Noronha), Pedra Que Rola, Quem Os Salva, as duas últimas encenadas pela Companhia Dramática Nacional, de Gomes Cardim e Itália Fausta. Um representante da quarta geração Oiticica, Hélio, o artista plástico, com 14 anos investe na dramaturgia, dando às suas peças títulos no mínimo curiosos: Como os Maridos Enganam, Caminho Sem Fim e – pasmem! – Medéia. Sônia, apesar de escrever muito bem, preferiu o caminho daqueles que fazem os dramas existirem. Gosto de qualquer coisa que me permita interpretar. Tendo passado por Shakespeare, Rostand e Musset, deixou-se cativar pelas personagens de Nelson Rodrigues, interpretando oito delas: a mãe possessiva, a filha demoníaca, a moça suburbana, a dona de bordel, senhoras patéticas, a prostituta de alto luxo. Observando ou intuindo, é muitas vezes com força, outras com delicadeza, que imprime credibilidade àquelas estranhas figuras de um universo quase sempre nebuloso. A compreensão afasta-as da vulgaridade, e a doçura sugere novo entendimento. Clara Carvalho, sua companheira de elenco, na montagem do TAPA, de Vestido de Noiva, em 1994, percebe dados novos, em sua Madame Clessy: Sônia não tinha a idade e nem o porte habitual que se costuma imprimir à personagem. Isso pouco importou. Sônia conseguia fazer uma Clessy que era um arquétipo do feminino, do desejo, da delicadeza, de um tempo não-cafajeste. Tinha humor, lirismo, tragicidade e, como ninguém, tinha a temperatura daquelas frases.

 

Mesclando sua formação, trechos de vida e modo de ser às suas realizações artísticas, Sônia acrescenta sua vivência pessoal ao vasto painel de diversidades (de vidas e propósitos), presentes nesta preciosa coleção. Juntas, essas vidas vão formar, com certeza, uma heróica e animada história do intérprete no Brasil.

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