Prefácio do livro “Simples magia”, de Tania Carvalho, para a Coleção Aplauso da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo (Leia a obra, na íntegra)
Rosamaria Murtinho não queria fazer este livro. Tinha medo de parecer pretensiosa falando de si mesma. Não foi fácil convencê-la, mas com jeitinho, um sorriso aqui, uma palavra certa acolá, ela finalmente aceitou.
E homeopaticamente, em muitas sessões, foi possível traçar o perfil desta atriz que estourou no Brasil inteiro com a novela A Moça que Veio de Longe, na década de 60, e que permanece até hoje em atividade constante no teatro, na televisão e menos no cinema do que gostaria. E que garante ter feito uma opção pela simplicidade, honestidade e transparência, o que nem sempre lhe rendeu muitos frutos. Prefiro ser eu mesma sempre e olhar para o espelho quando escovo os dentes com alegria, orgulho e dando gargalhadas.
Arrancar confissões de Rosamaria foi tarefa complicada. Sua memória é curta. Ela pouco se lembra do passado e parece não estar interessada nisso, como se o futuro estivesse sempre pronto a oferecer-lhe novos desafios. Personalíssima, peça em que viveu a cantora Isaurinha Garcia, um dos seus últimos trabalhos em teatro, por exemplo, é assunto recorrente. Em cada uma das sessões de entrevista, ela encontrou um jeito de falar desta experiência, que a obrigou a largar mão de sua vivência de menina criada em Ipanema para entrar de cabeça em uma paulista do Brás. E mostrou a todos uma faceta até então desconhecida, a da Rosamaria cantora. Afinal, poucos sabem que ela gravou um disco na década de 60, quando vivia uma cantora da noite em uma novela, hoje transformado em cult pelo remixes que invadem as discotecas londrinas.
É… Rosinha – como muitos a chamam – é cheia de surpresas. Sem papas na língua, não esconde a sua raiva por não ter sido indicada para prêmio por Personalíssima, por problemas burocráticos, nem a sua falta de perspicácia para perceber que pouco a pouco foi passada para trás em sua carreira de estrela televisiva. Como diz com humor nem percebeu quando de protagonista passou para amiga da mocinha.
Vaidosa de suas conquistas, da família que construiu com o marido Mauro Mendonça – os filhos João Paulo, Rodrigo e Maurinho, todos também artistas –, do pouco cabelo branco que tem e que esconde com aplicações de henna, da excelente forma física, do corpo delgado, mas com formas, que revela o seu passado de bailarina, e esconde e bem a sua idade. Aliás, este é um segredo que gosta de guardar e jura que da sua boca jamais sairá a data real de seu nascimento. Segue o exemplo da mãe, que considerava revelar a idade quase uma falta de educação.
As entrevistas foram feitas na casa em que mora há muitas décadas em São Conrado, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Em muitos momentos, a atriz se emocionou ao lembrar fatos e confessou que estava fazendo quase uma terapia ao enveredar pelos caminhos de sua carreira de mais de 50 anos.
Atenção: Rosinha começou bem jovem no grupo de teatro amador do irmão e que ninguém fique fazendo contas, para desvendar o segredo tão bem guardado. Rosamaria fez questão em todos os encontros de compartilhar um bolinho, um sanduíche, morangos com merengue em um descontraído lanche que colocava ponto final nas sessões. Uma gentileza que revela uma de suas principais características: o respeito ao outro e a consideração com que busca tratar a todos.
Rosamaria reconhece que muitas vezes foi mal interpretada, disse a palavra certa na hora inexata, fez comentários que não deveria ter feito. O Escorpião é assim, não precisa de inimigos, ele é o inimigo de si mesmo. Para amenizar os efeitos de tão destruidor signo, Rosamaria fez anos de análise e agora garante estar mais afeita às práticas da boa vizinhança, ao jogo de interesses e vaidades que rege qualquer atividade, em especial o mundo do espetáculo. Garante que já sabe fazer uma certa política de sorrisos e cumprimentos falsos e até se diverte com ela, mas não é isso que suas palavras revelam. Confira!
A moça que veio de longe realmente chegou longe. E pretende mais! Como provam as suas palavras no depoimento e no Questionário Proust – aquele que o famoso escritor gostava de responder junto com os amigos em brincadeiras de salão, perfeito para Rosamaria Murtinho, que encerra este livro.