Introdução do livro ‘Um gentleman no palco e na vida’, de Neusa Barbosa, para a Coleção Aplauso da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo (para ler a obra, na íntegra, clique aqui)
Duas vezes a vida profissional do ator John Herbert dependeu de um smoking. Na primeira vez, em 1952, quando ele, ainda um estudante de Direito, foi convidado pelo colega Renato Consorte para fazer uma ponta no filme Appassionata, uma das primeiras produções do estúdio Vera Cruz. Por coincidência, uma situação que lhe deu oportunidade de aproximar-se da então jovem bailarina Eva Wilma. Os corredores do Teatro Municipal foram o palco dos primeiros flertes de um casamento e parceria artística que duraram mais de 20 anos, formando uma das duplas mais queridas do público brasileiro na TV, no cinema e no teatro entre as décadas de 1950 e 1970.
Na segunda vez, o smoking foi necessário para uma cena de O Petróleo é Nosso, de Watson Macedo, agora na Atlântida. Mal-descido do avião que o levou de São Paulo para o Rio, o então jovem intérprete entrou no estúdio, ganhou seu traje de soirée e repetiu um beijo vinte vezes. Assim, sem ensaio, na raça.
Com sua aura de roupa de galã, o smoking serve de medida para o tipo de comédia sofisticada da qual Herbert se tornou uma das mais expressivas traduções, em seus sólidos 52 anos de carreira, onde se contam 60 filmes, 30 novelas, 32 peças de teatro – como ator ou produtor, às vezes na dupla função entre os bastidores e a ribalta. Um produtor de olho sensível, aliás, para abrir as portas da carreira a muitos grandes nomes da cena atual – caso de Irene Ravache, Regina Duarte, Ewerton de Castro, Cláudia Melo e Ricardo Petraglia.
Galã batizado nas emergências de uma televisão ainda sem videoteipe, feita ao vivo, e de um cinema que queria ser profissional mas, na sua improvisação, tantas vezes desafiava o instinto dos atores – ainda que eles então não viessem das passarelas da moda e sim do rádio ou do teatro – John Herbert tornou-se um dos intérpretes mais versáteis da cena artística brasileira. Vivendo numa época que assistiu ao nascimento da televisão no Brasil, ao florescer do Teatro de Arena, do TBC e outras companhias estáveis, bem como da mais séria tentativa de implantar no Brasil uma indústria cinematográfica – através dos estúdios Vera Cruz, Maristela, Multifilmes, Atlântida – John Herbert forjou essa sua capacidade de navegar calmamente por todas as tempestades que sacodem a vida de um artista no Brasil sem perder a fleuma, para o que certamente lhe valeu a férrea disciplina aprendida num lar alemão luterano. Uma fleuma, é bom que se diga, à qual ele soube somar um brasileiríssimo senso de humor e um jogo de cintura que já o levou a desfilar em escola de samba.
Aliando a disciplina germânica à versatilidade tupiniquim, que parece nunca assustar-se nem perder a esportiva diante de nada, Herbert atravessou períodos em que a comédia sofisticada, que é a sua marca, desapareceu do cenário, passando pela pornochanchada, filmes de cangaço, cinema marginal, sobrevivendo a duros embates em cena, em lutas sem dublê, e também na vida real, com a censura do período militar – vivendo o incidente mais traumático de sua vida com a proibição da peça Os Rapazes da Banda, em 1971.
Os anos 1970 marcaram também o fim de seu casamento com Eva Wilma – com quem teve a única filha mulher e única artista entre seus quatro filhos, Vivien Buckup, diretora de teatro – e a um novo casamento, com a fisioterapeuta Claudia Librach, bela como uma atriz de cinema, com quem vive até hoje. Soa até estranho descobrir que um de seus ídolos é Clint Eastwood, porque Herbert não tem nada do tipo durão que o colega americano encarnou em tantos de seus western spaghetti. Elegante diante da separação, como diante de tudo, o ator não é nem nunca foi figurinha fácil de colunas de fofocas nem das revistas de celebridades. Fiel às paixões que conheceu cedo na vida, ele continua praticando a natação, no mesmo clube Pinheiros que assistiu às suas primeiras braçadas e de onde ele quase saiu candidato a uma medalha olímpica, em 1948 – não fosse uma pneumonia a tirá-lo do páreo.
Ganhou o teatro, em todo caso, onde ele pisou pela primeira vez aos 18 anos e nunca mais largou, até hoje, para deleite dos espectadores que preferem a escola do humor sutil e sofisticado. Um gentleman no palco e na vida, cuja filosofia é: “Viva a sua vida e não se leve muito a sério”.