Prefácio do livro “Caçadora de emoções”, de Tania Carvalho, para a Coleção Aplauso, da Imprensa Oficial (leia a obra na íntegra)
Irene é intensa, sem ser chata. Emocional, mas não melosa. Racional, quando necessário, mas jamais fria. E, principalmente, é engraçadíssima. Afinal, fora do humor não há salvação. Anos de análise, especialmente os últimos cinco que fizeram-na deitar no divã realmente, deram-lhe uma clareza de pensamento inacreditável. Suas palavras fluem com rapidez, mas é evidente que já passaram pelo crivo arguto dos pensamentos, que foram mastigadas por horas, anos talvez.
Para a realização deste livro foram marcados diversos encontros em um apart-hotel no Leblon, onde Irene se hospedou durante a temporada carioca de Intimidade Indecente. De volta à cidade onde nasceu – surpresa, Irene é carioca, embora a maior parte da sua carreira tenha sido feita em São Paulo – ela estava totalmente à vontade, andando de maiô e canga pela praia, tomando café nos inúmeros e charmosos locais do bairro e se encontrando com algumas primas queridas. Irene é superfamília e garante adorar festa de aniversário, batizados, casamentos e até Natal, tudo aquilo, ela sabe, que as pessoas em geral detestam. E adora também fazer sucesso na cidade em que nasceu. Lembra sempre, como exemplo, de Florinda Bolkan, que, apesar de estourar na Itália, queria mesmo era ser amada pela vizinha de Uruburetama no Ceará. Só Irene para se lembrar disto!
Foi neste clima, totalmente desarmado, que ela topou falar. Corpo aberto para as emoções. Sem defesas, Irene contou da infância dominada pela mãe poderosa, que a obrigou a desistir de ser bailarina e tentar ser uma concertista de piano; do desafio de se tornar atriz; de todos os projetos que se envolveu no teatro, TV e cinema; da sua caçada por temas, peças, emoções; do marido, o jornalista Edison Paes de Mello, dos filhos Hiram e Juliano e dos netos, Cadu e Maria Luiza, as pessoas mais importantes na sua vida; dos autores e diretores que passaram por sua carreira; dos sucessos e dos ensinamentos advindos deste; da beleza e da insegurança; da fama e da tomada de posição em relação a isto; da diferença entre ser uma pessoa mediana, como se considera, íntegra e centrada e estar em alguns momentos glamourosa e sob os refletores e flashes. E mais, muito mais.
Diversas histórias foram contadas com o gravador ligado. Outras, em deliciosos almoços, sempre frugais – será esta a receita de beleza de Irene, está incrivelmente linda quase sessentona? – nos quais ela se dedicava ao seu esporte predileto, que é contar tudo com riqueza de detalhes: locações, figurinos, cenários, como se fosse um filme. Como um caleidoscópio ela alternou emoções. Risos na maior parte do tempo, especialmente quando se lembrou de brincadeiras nos estúdios de Éramos Seis, quando até a gravação de um enterro era motivo para gargalhadas, só porque ela resolveu bater no caixão e sussurrar vem pra caixa você também, escangalhando uma cena para desespero do diretor. Chora de rir só de lembrar. Chora de chorar ao pensar na mãe Lygia e os problemas de rejeição que ela carregou pela vida inteira pela ausência do pai. Se emociona ao se lembrar do pesadelo que foi enfrentar as drogas dentro de sua casa. Se enternece ao falar dos netos e de todas as maneiras que sempre inventou para encantá-los. Uma delas: ler todas as faixas de pano penduradas nas esquinas de São Paulo de uma maneira absolutamente particular. Vovó te ama, por exemplo. Quando eles aprendem a ler, bem, isso é uma outra conversa.
Sabe aquele jeito bem brega, pois bem, aí vai: Irene é gente! Como a gente. Coisa rara nos tempos olímpicos de hoje. Sabe a sua posição na vida, na arte, no mundo. E é um privilégio conviver com ela, isso posso garantir.