Introdução do livro “Uma atriz brasileira”, de Eliana Pace, para a Coleção Aplauso (Leia a obra na íntegra)
Geórgia Gomide é uma mulher surpreendente.
Nos nossos dois primeiros encontros, sentadas lado a lado no sofá de sua ampla casa de Perdizes, onde viveu até 2008, água e cafezinho servidos, fala timidamente de sua vida de esportista e de como começou sua carreira de atriz. Parece desconfiada, constrangida em expor sua vida e seus segredos para uma pessoa estranha. No terceiro contato, deixamos o sofá e ficamos cara a cara na mesa de jantar. Geórgia fica mais solta quando estamos frente a frente, olho no olho.
Na nossa quarta reunião, encontro a casa de Geórgia revirada. Um pintor trabalha na sala, os móveis estão deslocados e jornais e latas de tinta disputam espaço no chão com Lua, Lilica e Meg, as três cockers-spaniel da família Gomide (Lua morreu pouco depois): a atriz divide, temporariamente, a casa com o filho Daniel e a nora Flávia, enquanto o apartamento do casal está em construção. Geórgia, então, me pede opinião sobre a recolocação dos móveis no amplo espaço. Em cinco minutos, ela de um lado, eu de outro, trocamos sofá e mesa de jantar de lugar, testamos quadros nas paredes, checamos medidas de estantes. Já íntima da dona da casa, abro a porta da cozinha e peço um café novo a uma das suas ajudantes. Então, nos sentamos e gargalhamos com as novas posições que acabávamos de assumir. A estrela que vira gata borralheira, a meter os pés nas latas de tinta espalhadas pelo chão, e a jornalista desligando o gravador para dar palpites de decoração. Quando chegamos, as duas é claro, porque me incluo no projeto, a um resultado bastante satisfatório na distribuição dos móveis, ligamos a televisão e vemos, juntas, o último episódio de Malhação em que Geórgia Gomide faz uma mamma italiana querendo casar o filho professor.
Quando a TV Globo a chamou para participar do episódio O Castelinho da Rua Apa, no programa Linha Direta, recebi de Geórgia um convite especial: acompanhá-la nas gravações, com a oportunidade ímpar de conhecer o Projac. Fui num misto de amiga, agente e empresária e, segundo Geórgia, fiquei tão deslumbrada com o mundo televisivo que saí de lá me achando assistente de direção. Ela conta a quem quiser ouvir, às gargalhadas, que eu quis interferir tanto em suas cenas e na sua interpretação que o diretor do programa não conseguia disfarçar seu espanto. Não é bem verdade. É que, como Geórgia tinha repassado o texto comigo, no hotel, fiquei a seu lado puxando por sua memória.
Além disso, reconheço que acabei sugerindo à equipe alterações na marcação de uma cena, uma única, verdade seja dita, para facilitar a interpretação de Geórgia. Como o diretor acatou o que falei, acho que minha amiga exagerou na preocupação para comigo.
Geórgia Gomide esteve em Santos comigo algumas vezes. Meu cachorro viaja o tempo todo no seu colo. Lá chegando, ela almoça com minha família, vem pegar praia no meu point, junto à Doceira Joinville, e à tarde, nos encontramos para uma rodada de chope no Píer, um bar badalado da Ponta da Praia. É ali, junto a outras amigas fiéis, categoria na qual acaba de me incluir, que fala da importância de Santos em seu passado. Foi junto ao mar que começou uma paixão, a maior de sua vida, e que lhe rendeu seu bem mais precioso, o filho Daniel.
Temos, Geórgia e eu, duas opções de como contar essa história de amor. A primeira, mais radical, é escancarar o romance que permaneceu discreto por toda uma vida e esmiuçar os bons e maus momentos, muitos e intensos todos eles. A segunda é continuar preservando a identidade do pai de Daniel em consideração à sua vida e à do filho querido. Se eu fosse uma jornalista sensacionalista, especializada em celebridades, forçaria a barra pela primeira opção. No entanto, como profissional que faz do respeito uma norma de vida, fecho com Geórgia um tratamento reservado para os acontecimentos.
Geórgia Gomide é uma diva, efusiva e aberta, espontânea e divertida, ainda hoje um mulherão, como a ela se referem seus admiradores homens. Viveu intensamente, participou com glamour de uma época especial da vida artística brasileira e fez do trabalho sua mola propulsora, representando, com talento indiscutível, personagens os mais diversos dentro da televisão, do teatro e do cinema.
Elfriede Helène Gomide Witecy é uma mulher discreta e reservada, insegura e, por vezes, tímida, em busca da realização de alguns sonhos. Uma cidadã politicamente correta, ética e de uma honestidade a toda prova, mais interessada em sua própria vida do que na dos outros. Que não esperem deste livro, portanto, os incontáveis admiradores de Geórgia Gomide, fofocas ou insinuações sobre colegas de trabalho, bem como revelações bombásticas sobre grandes ou pequenos envolvimentos amorosos seus ou de outrem. Esta biografia representa, para a atriz, a oportunidade de um balanço, uma autocrítica de suas experiências e vivências.
Na qualidade de admiradora da artista e de parceira desta empreitada, acredito ter sido fiel às suas expectativas. A prova maior do nosso entrosamento é que, ao final desta obra, não só ganhei de Elfy, como é chamada pelos parentes e amigos mais chegados, sua confiança, como um presente eterno: sua leal amizade.