Da literatura que foi apresentada durante a Semana de Arte Moderna de 1922, a leitura do poema Ode ao burguês, de Mário de Andrade, foi uma das mais emblemáticas. Talvez pelo seu tom afrontoso e destemido, ela ecoa até os dias atuais:
“Eu insulto o burguês!
O burguês níquel,
O burguês-burguês
A digestão bem-feita de São Paulo! (…)”
O poema reúne em si um conjunto importante de características predominantes na primeira fase do modernismo brasileiro. Formalmente, observamos versos livres, estrofes heterogêneas e uma linguagem coloquial e agressiva que carrega e ilustra o anseio da vanguarda de destruir as muitas convenções burguesas. Apesar de nomeada uma ode, o texto revela que a obra é na verdade o oposto disso, ou seja, uma antiode. No entanto, a escolha do autor pelo título ‘Ode ao burguês’ é uma maneira que ele adota de ressaltar o tom irônico do poema. Nesse contexto, é tematizada a caracterização do burguês a partir uma constante ridicularização do tipo.
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Ode ao burguês foi publicado em 1922, mesmo ano em que chocou a plateia na famosa Semana Modernista, e faz parte da coletânea de poemas do livro Paulicéia Desvairada (1922). Segundo estudiosos, Pauliceia Desvairada faz um retrato social e crítico da cidade urbana paulista, dentro dele é possível notar muitas influências das vanguardas europeias como o Dadaísmo, o Surrealismo, o Expressionismo, o Futurismo e o Cubismo. Uma delas é a escolha linguística, que preconiza elipses e quebras sintáticas, as quais fazem uma alusão ao ambiente moderno citadino.
Como é sabido, Mário deu início em sua trajetória na arte por meio da música, no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, onde concluiu o curso de piano em 1917 e atuou como professor de história da música e da estética. Por isso, um traço interessante e singular, que também podemos observar no decorrer dos versos que compõem o livro, é a tentativa do autor de aproximar poesia da teoria musical.
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O escritor foi um dos organizadores desse momento chave do modernismo, do qual celebramos o centenário. Na data, também foram de grande destaque suas palestras: sobre o abrasileiramento da língua portuguesa, que mais tarde foi publicada com o título A Escrava que Não É Isaura; e sobre a música folclórica nacional. Além de também serem memoráveis suas leituras do Prefácio Interessantíssimo, que posteriormente veio a ser o prefácio de Paulicéia Desvairada.
Outras obras importantes do autor foram Clã do Jabuti (1927); Amar, Verbo Intransitivo (1927), e os livros póstumos Contos Novos (1947) e Lira Paulistana (1943). Mário de Andrade fez muito pela cultura nacional: Com o seu olhar crítico e observador, ele ajudou a lançar as bases da música popular brasileira a partir da sistematização dos estudos sobre ela. Além disso, grande parte de sua vida foi dedicada a estudar a identidade nacional, e pensar maneiras de estabelecer e recuperar uma arte verdadeiramente brasileira.