SP Escola de Teatro

São Paulo: A Visão Surrealista de Dante

Cenas do espetáculo “São Paulo Surrealista” (Foto: Bob Sousa)
 
Pecados capitais, religião, poesia, música e política. Estes são, apenas, alguns dos temas abordados em “São Paulo Surrealista”, o novo espetáculo da Cia. Teatro do Incêndio, roteirizado e dirigido por Marcelo Marcus Fonseca. A estreia também inaugura a casa noturna Madame (antiga Madame Satã), que foi totalmente reformada e está sob nova administração.
 
Recebido com uma taça de vinho, o público que for conferir a montagem vai se deparar com uma verdadeira crônica em formato de peça. O tempo todo são feitas alusões a diversos escritores e poetas, como André Breton e Dante Alighieri; a cineastas, como por exemplo, Pier Paolo Pasolini e Federico Fellini; e, também, a dramaturgos, com destaque para Antonin Artaud. 
 
“O processo teve início com o que Breton batizou de ‘escrita automática’ no seu ‘Manifesto Surrealista’. Estimulei os atores a criarem seus textos sem dogmas, julgamentos ou pausas para reflexão. O surrealismo é um impulso psíquico”, conta Fonseca. 
 
O diretor ainda revela que o grupo teve contribuição externa para a criação da peça. “Durante longos encontros com o poeta, tradutor e ensaísta Claudio Willer discutimos sobre a emoção de criar. O texto não foi o elemento principal; não foi imposto aos atores. Procuramos acabar com a dicotomia entre o inconsciente e a razão. Escrever seria também uma forma de interpretar, como se a peça fosse sempre escrita no momento da cena, por associações livres.”
 
Com o objetivo de mostrar os contrastes e paradoxos de uma cidade em constante movimento, por meio do surrealismo, “São Paulo Surrealista”, em vez de contar uma história, se baseia em imagens da metrópole, que dialogam com músicas ao vivo – compostas por Marcelo Fonseca e Wanderley Martins, algumas delas misturadas a escritos de Arthur Rimbaud e Charles Baudelaire. 
 
No enredo, personagens fazem um passeio pela capital paulista, percorrendo “Os Nove Círculos do Inferno”, inspirados na primeira parte da obra de Dante “Divina Comédia”. Cada uma das nove partes em que a peça é dividida, recebem um nome: Pagãos no Limbo; Luxúria; Gula, Avareza; Ira; Heresia; Violência e Bestialidade; Fraude e Traição. A ideia é revelar os signos, as tradições e contradições e a exaltação do dinheiro, fazendo críticas à religião, ao sistema e à inversão de valores.
 
“São Paulo mistura tudo: homofobia, religião, fumaça, poesia, droga, etc. E como a nossa base era a cidade, pensei em apresentá-la e depois fazer um dos criadores do surrealismo, André Breton, desembarcar num local onde há tudo o que ele propunha na escrita”, ressalta Fonseca. E ainda completa: “Tudo nessa peça é um risco. Só na frente do espectador é que pudemos tirar algumas conclusões, com cuidado total para não virar fórmula de apresentação. O que vale é um mergulho com cada público diferente”.
 
Liz Reis atuando em “São Paulo Surrealista” (Foto: Bob Sousa)
 
Dentre os 25 atores do elenco, estão David Guimarães, Giulia Lancellotti, João Sant’Ana, Liz Reis, Marcelo Marcus Fonseca, Sérgio Ricardo, Sonia Molfi, Talita Righini e Wanderley Martins, que, junto com o diretor do espetáculo, fez, também, todo o repertório musical. “Transformamos Rimbaud em samba, algo impensado no Surrealismo”, ressalta Fonseca. 
 
A iluminação é de Rodrigo Alves e as fotos são de Bob Sousa. A montagem, que recebe apoio da Lei do Fomento para a Cidade de São Paulo, tem duração de 70 minutos e sua classificação etária é 18 anos.
 
“São Paulo Surrealista é feita por você. É um ritual teatral onde o pensamento pode ser desregrado. O bar de Dionísio está aberto”, convida o diretor Marcelo Fonseca.
 
 
Antiga Madame Satã
 
Fundada em 1983, a casa noturna Madame Satã era conhecida por ser reduto de um grande número de góticos e punks. Localizado no bairro da Bela Vista, o clube era uma das referências na noite underground da capital paulistana, por tocar new wave, gênero musical em alta na época.
 
O espaço era conhecido, também, pela “salada cultural” que proporcionava, pois recebia pessoas de diferentes etnias, orientações sexuais, classes sociais e ideologias. Para se ter ideia da diversidade, a clientela era formada por artistas, skinheads, escritores, estudantes, darks, homossexuais, intelectuais, jornalistas, socialites e transformistas. Bandas como RPM, Titãs e Ira tinham presença garantida na casa.
 
A casa fechou as portas em 2009 e, no ano passado, voltou a funcionar sob a direção dos empresários Gé Rodrigues e Igor Calmona, também proprietários do Dj Club Bar e da Nova Nostro Mondo. Embora continue com a tradição da discotecagem, o ambiente vai ser palco, também, de exposições, bazares, cursos de dança e apresentação de espetáculos, como a estreia de “São Paulo Surrealista”.
 
 
Serviço
 
“São Paulo Surrealista”
Quando: Sextas-feiras, às 21h30; sábados, às 21h. Até 19 de maio.
Onde: Madame (antiga Madame Satã)
Rua Conselheiro Ramalho, 873 – Bela Vista
Tel.: (11) 2592-4474
Ingresso: R$30 (o ingresso dá direito à balada após apresentação)
Informações: www.madameclub.com.br
 
 

 
 
Texto: Jéssika Lopes
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