SP Escola de Teatro

Ponto | O nu coletivo no teatro brasileiro

Em 2015, pleno século 21, a nudez em cena, por mais corriqueira que seja, ainda chama a atenção e provoca reações no público. Muitas vezes nada abonadoras e até agressivas. Hoje, espetáculos como “Juliette”, do Marques de Sade, da Cia. Os Satyros, por exemplo, fazem da nudez parte importante e imprescindível da encenação, assim como em outras transposições para o palco do Marques de Sade feitas pela companhia de Rodolfo García Vázquez e Ivam Cabral. Não há como dissociar o autor do século 18, célebre por suas obras sobre sexualidade, da nudez. O Teatro Oficina Uzyna Ozona, de José Celso Martinez Corrêa, também não economiza corpos nus em seus espetáculos. Em ambos os casos, no entanto, tais cenas não passam incólumes pela plateia. E, em muitos casos, parte do público – mesmo que atualmente seja pequena – abandona o teatro pisando firme e falando impropérios. Mesmo sabendo que ao ingressar em algum teatro dessas duas companhias não será para ver um espetáculo “comportadinho”, mas transgressor e provocativo.

Se ainda hoje corpos nus causam polêmica, imagine há 46 anos.

Mas a nudez no teatro brasileiro – e no teatro mudial – não está na parte mais antiga da história do teatro. Mesmo no teatro de revista dos anos 1940/1950, não existia a nudez completa e explícita. As vedetes apareciam em cena quase nuas, mas com muitas plumas e sempre cobrindo a genitália. A primeira vez que o público brasileiro assistiu a uma cena de nudez coletiva, em que todos os atores apareciam completamente despidos em nu frontal foi no final da década de 1960. Mais especificamente em 1969, quando estreou o musical “Hair”, no extinto Teatro Bela Vista, sob a direção de Ademar Guerra.

Com texto de Gerome Ragni e James Rado, o musical chegou ao Brasil como um fenômeno da Broadway, onde estreou um ano antes. Mas a montagem brasileira só foi realizada após uma longa série de negociações de direitos, tanto com os autores, quanto com a censura brasileira, já que o País se preparava para a pior fase da ditadura militar, com a publicação do Ato Institucional 5 (AI-5).

O elenco original da montagem contava, entre outros, com os atores Sonia Braga, Ney Latorraca, Antonio Fagundes, Nuno Leal Maia, Carlos Alberto Riccelli, Antonio Pitanga e Dennis Carvalho. Como protagonistas, Aracy Balabanian, Altair Lima e Armando Bogus – as únicas personagens que não participam da cena de nudez.

A polêmica cena acontece no final do primeiro ato. Quando as luzes se apagavam e todos – exceto os protagonistas – encaminhavam-se, inteiramente nus, para um banho coletivo. A repercussão da cena e da peça como um todo era tão grande que, por onde quer que passasse, gerava uma série de ameaças e conflitos com organizações conservadoras. No Brasil, permaneceu em cartaz por mais de dois anos, com atores e atrizes se revezando em todos os papéis.

No livro “Ademar Guerra: o Teatro de um Homem Só”, o diretor fala sobre o espetáculo: “Para o bem ou para o mal, ‘Hair’ chamava a atenção por uma breve cena de nu. Mas, naqueles anos de ruptura, era um escândalo. E não só no Brasil. Onde se apresentava havia uma publicidade prévia em torno da tal cena. Eu estava convencido de que, depois da estreia, o que garantiria o sucesso seria a qualidade geral do nosso trabalho, porque a cena de nu coletivo durava alguns segundos em um espetáculo de duas horas. Além de não ser pornográfica nem sensacionalista, como se dizia, a cena sequer chamava a atenção no conjunto do espetáculo, não tinha tanta relevância embora tivesse um sentido.”

Texto: Carlos Hee

 

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