Com o passar do tempo, a humanidade tem se desumanizado, tem perdido sua capacidade de sentir e provocar emoções. Pelo menos é esta a visão da diretora e dramaturga Gabriela Mellão, que ocupa a SP Escola de Teatro com a peça “Sagrada Família”, a partir desta sexta (19), justamente para tocar no assunto.
“Quero falar sobre a anestesia que contaminou o mundo e amorteceu paixões, dores e desejos, transformando o homem em máquina de vida”, diz Gabriela. No caso de “Sagrada Família”, abordar o tema por meio de um clã foi uma consequência. “Família é raiz, o berço das relações humanas.”
No enredo, uma família é composta pelos personagens Homem (Eucir de Souza), Mulher (Ester Laccava) e Filha (Michelle Boesche), que vivem relações áridas. A situação muda quando os três enfrentam uma forte tempestade, tendo o ambiente e seus comportamentos alterados.
“Sagrada Família” se passa em um mundo pós-apocalíptico: o palco é coberto por escombros e a cenografia destaca um fio de arame farpado que traz a ideia de estagnação, confinamento e tortura. Em cena, os personagens não estabelecem diálogos, mas monólogos que formam falas desconexas. Suas emoções variam, quando não estão anestesiados, mostram-se hipersensíveis.
Assim como em “Nijinski — Minha Loucura É o Amor da Humanidade”, peça em que Gabriela retratou parte da dura vida do bailarino ucraniano, em “Sagrada Família” um assunto árduo é tratado de forma poética. “Enquanto a trama áspera traça um retrato social, a poesia gera a possibilidade de um discurso aberto”, diz a dramaturga, destacando que a técnica é capaz de abarcar diversas interpretações.
Outra característica comum das duas montagens é o cuidado com a partitura física, o que fica claro na movimentação precisa do elenco. Para Gabriela, o trabalho físico não só compõe a beleza da cena, mas complementa o texto ao apresentar algo além do que é dito. “Os corpos dos atores oscilam entre movimentos lentos e contínuos que remetem ao butô e ações explosivas”, diz. “Estas últimas nada mais são do que o grito do instinto de sobrevivência de cada um contra a desumanização.”
Ficha técnica
Texto, direção e cenário: Gabriela Mellão
Elenco: Ester Laccava, Eucir de Souza e Michelle Boesche
Trilha sonora: Raul Teixeira
Desenho de luz: Robson Bessa e Vinícius Passos
Figurino: Thais Nemirovsky
Coreografia: Reinaldo Soares
Produção: Berenice Haddad
Serviço
SP Escola de Teatro – Sala R1 (80 lugares)
Praça Roosevelt, 210, metrô República, 3775-8600
Pré-estreia 6ª (19/2). Sáb. e 2ª, 21h; dom., 19h.
Até 28/3. R$ 10 (a bilheteria abre uma hora antes do início do espetáculo).
14 anos. 60 min.