Afinal de contas o que é exótico e quem determina isso?
Assim poderíamos começar a falar sobre o espetáculo Exóticos, escrito pelo dramaturgo goiano radicado em Mato Gross Túlio Paniago. O texto nasceu de uma provocação feita após um espectador afirmar que um outro projeto feito pelo grupo seria exótico demais para o espectador de São Paulo. Logo essa montagem é uma grande provocação sobre o olhar que certas pessoas do Sudeste possuem para outras regiões do país. E também questiona a importância que é dada às produções do eixo Rio-São Paulo.
O texto é recheado de olhares e julgamentos de pessoas do Sudeste para o Mato Grosso. Percepções essas baseadas em estereótipos rasos, reiterando costumes e riqueza da fauna e flora local. O espetáculo ainda traz críticas ao agronegócio e toda destruição decorrente desse meio econômico que denomina a região.
De forma ácida, os atores trazem para a cena símbolos como chapéu de palha, cigarro de fumo, doce de caju, sotaques carregados e até mesmo uma capivara de língua azul. Apesar de todas estas variadas matrizes simbólicas, é impossível deixar de notar um dos maiores marcos da cultura mato-grossense, os povos originários com sua cultura ancestral.
Certo ou errado?
Exóticos traz a referência do livro De Pernas para o Ar, do escritor uruguaio Eduardo Galeano (1940-2015), onde o mesmo faz uma reflexão sobre os avessos. Há um trecho no qual surge o ponto de vista de um indígena sobre Cristóvão Colombo (1451-1506). Do ponto de vista local e ameríndio o chapéu de pena do navegante espanhol seria um papagaio em dimensões desconhecidas. Portanto, exótico seria o forasteiro.
É absolutamente normal olhar para o outro a partir de nossa própria realidade e nossas experiências. Anormal é a busca em definir certo e errado nesse contexto, sejam em costumes ou em comportamentos. Afinal o convívio e o respeito entre diferentes culturas alimentam a diversidade de olhares e possibilidades reflexivas sobre o comportamento humano, foco do fazer artístico.
Manoel de Barros e a valorização da autenticidade
A encenação traz referência ao poeta mato-grossense Manoel de Barros (1916-2014). Aborda como ele foi rejeitado pela Academia Brasileira de Letras e considerado exótico por não seguir a forma poética de Carlos Drummond de Andrade.
Se Manoel de Barros tivesse se apegado ao feito na época, não teria sido vanguarda no conceito linguístico, e provavelmente, talvez não houvesse sido indicado ao Prêmio Nobel de Literatura de 2013. O escritor tornou-se um dos maiores nomes da poesia brasileira fazendo justamente o oposto ao usual, ao edificar suas origens e ao fugir do que era tido como normal, por tal coragem consolidou-se como um dos grandes nomes do pós-modernismo brasileiro.
Exóticos nos leva a refletir sobre a importância em assumir nossas raízes, nossas peculiaridades e romper com um padrão pré-estabelecido pelos grandes centros e pelo mainstream cultural. Como vimos nos espetáculos Afluentes Acreanas e Disque Q para Queer, que também integraram a Mostra Aldir Blanc na SP Escola de Teatro, quando o regional assume suas singularidades como potencial ele torna-se universal.
*Rodrigo Barros é jornalista, ator e produtor cultural. É bacharel em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade São Marcos. Formou-se em Atuação pelo Latin American Film Institute – Instituto Stanislavisky. Como ator, protagoniza a série Três Quartos, lançada em 2020. Prestou assessoria de comunicação para o Governo de Estado de São Paulo, Prefeitura de São Paulo, Instituto Unibanco e Dentsu Brasil. Desde 2021, é produtor cultural responsável pelas residências artísticas na Extensão Cultural da SP Escola de Teatro.
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