Gerson Esteves nasceu em 1961, na cidade de São Paulo. É ator, dramaturgo e diretor teatral.
Como surgiu o seu amor pelo teatro?
Desde muito cedo em minha vida. Já aos 12 anos fiz uma adaptação de um conto de fadas para as aulas de Educação Artística da escola. Era uma encenação de “A Bela Adormecida”, com 15 atores, que eu adaptei, dirigi e, com minha mãe, fiz os figurinos. No ano seguinte, escrevi e dirigi outra pequena peça, desta vez mais modesta, com apenas quatro atores, entretanto, mais ambiciosa, falando de questões atuais. Nem sei onde isso foi parar…
Lembra da primeira peça a que assistiu? Como foi?
A primeira peça infantil que vi foi uma montagem de “Peter Pan”. A primeira montagem adulta foi a histórica montagem de “A Falecida” (Nelson Rodrigues), com Nize Silva e direção de Osmar Rodrigues Cruz, no Sesi, em 1979.
Qual foi a última montagem que você viu?
Tenho tido pouco tempo de ir ao teatro. Recentemente assisti ao musical “Gypsy”.
Um espetáculo que mudou o seu modo de ver o teatro.
Meu jeito de ver e pensar teatro mudou por completo a partir do dia em que assisti a “Eletra Concreta” (Gerald Thomas), em meados da década de 80.
Um espetáculo que mudou a sua vida.
Acho que as duas montagens mencionadas (“A Falecida” e “Eletra Concreta”) mudaram minha vida.
Você teve algum padrinho no teatro? Se sim, quem?
Acho que tive uma madrinha. Ela foi atriz, tradutora, professora e diretora. Foi quem me apresentou pessoas, nos livros e na vida. Foi para quem apresentei meu primeiro texto teatral e quem me ensinou o valor de uma boa rubrica. Ela me dirigiu em “A Vida Impressa em Dólar” (1985) e já não está mais conosco, Maria Lúcia Pereira.
Já saiu no meio de um espetáculo? Por quê?
Nunca. Por pior que seja, penso que devemos ficar na plateia por duas razões: em respeito aos artistas em cena e para ver onde tudo vai dar, para daí podermos falar o que pensamos com propriedade.
Teatro ou cinema? Por quê?
Os dois. Cada um tem suas mazelas e prazeres. Tanto para quem vê, quanto para quem faz. Gostaria de fazer mais cinema, fiz pouco, quase nada. E sempre participações relâmpago em que não pude me envolver intimamente com a personagem e com o modus operandi dessa arte que tanto amo. Teatro conheço mais, tenho mais intimidade… é a minha praia.
Cite um espetáculo do qual você gostaria de ter participado. E por quê?
Há um espetáculo que marca a minha memória sempre que penso em algo que seja belo e ao mesmo tempo inteligente e tocante: a montagem do Grupo Tapa para “O Tempo e os Conways” (J. B. Priestley), com Beatriz Segall, em meados dos anos 80. Eu adoraria ter feito aquela peça.
Já assistiu mais de uma vez a um mesmo espetáculo? E Por quê?
Quando era estudante de teatro, via muitas vezes a mesma peça. Há duas que vi repetidas vezes, ambas de Marcio Aurélio: “O Pássaro do Poente” (com Paulo Yutaka) e “Hamletmachine” (com Marilena Ansaldi), ambas nos anos 80. De lá pra cá, não lembro de ter visto mais de uma vez algo em que não estivesse envolvido.
Qual dramaturgo brasileiro você mais gosta? E estrangeiro? Explique.
Vou responder de maneira óbvia, creio. Meu dramaturgo brasileiro favorito é Nelson Rodrigues. Ele retrata o avesso da nossa alma, nossos desejos mais recônditos, nossas máscaras mais grotescas. Estrangeiro: Shakespeare. Por sua atualidade através dos séculos, seu poder de comunicação de uma boa história, seu entendimento dos conflitos humanos.
Qual companhia brasileira você mais admira?
Há várias que eu admiro por sua história, trajetória e pelo tanto que fizeram e fazem pela arte no Brasil e no mundo: Grupo Galpão, Cia. dos Atores, Tapa.
Existe um grupo ou companhia de teatro que você acompanhe todos os trabalhos?
Embora eu já não a entenda mais como grupo, ainda assim não perco as produções da Cia. de Ópera Seca.
Qual gênero teatral você mais aprecia?
Não tem essa de preferir um gênero a outro. Quando bem feita, uma farsa pode ser mais impactante que uma tragédia. Quando mal feito, um espetáculo de vanguarda pode ser tão tedioso quanto uma comediazinha romântica água com açúcar. O que eu aprecio é bom teatro, bem feito.
Qual lugar da plateia você costuma sentar? Por quê? Qual o pior lugar que você já sentou na plateia?
O melhor lugar em qualquer plateia é sempre nas cadeiras centrais, ali por volta das filas J e K. É de lá que se tem uma visão suficientemente próxima para perceber detalhes da máscara do ator ou do figurino e, ao mesmo tempo, mantém-se a distância necessária para uma visão panorâmica do palco, como se fosse uma grande tela. O pior lugar é no gargarejo, sempre!
Fale sobre o melhor e o pior espaço teatral que você já foi ou já trabalhou?
Como público, já fui do céu ao inferno. É sempre uma experiência divertida. Como ator, o pior espaço em que já trabalhei foi o extinto Teatro Igreja (onde hoje funciona o Club Gloria), no Bixiga. O melhor espaço teatral onde trabalhei é o Teatro Alfa.
Já assistiu a alguma peça documentada em vídeo? O que acha do formato?
A pergunta guarda em si um bom caminho para a resposta. Acho que é aceitável como documento, para aqueles que não viram. Como produto teatral não serve, porque deixa de ser teatro para ser vídeo. Tem outro tempo, outra textura. Daí é melhor adaptar e fazer cinema, minissérie…
Existe peça ruim ou o encenador é que se equivocou?
Existe dramaturgia ruim, sim. Como existem encenadores equivocados. Quando os dois se encontram… Deus nos acuda!
Como seria, onde se passaria e com quem seria o espetáculo dos seus sonhos?
Então vamos sonhar? Seria num grande palco, capaz de abrigar todos os grandes mestres de todos os tempos, trabalhando em harmonia e sem estrelismos. Seria uma criação que falasse do homem e de seus sonhos não realizados, de seus medos e da invenção de sua coragem. Se passaria no aqui e no agora, com os olhos voltados para o sempre.
Cite um cenário surpreendente.
Temos tantos profissionais de cenografia que são absurdamente talentosos. Entretanto, penso que cenário não tem que ser surpreendente, tem que atender às necessidades da encenação. Ainda assim, lembro-me do cenário que Ricardo Ferreira criou para “O Tempo e os Conways” – que já mencionei. Por uma necessidade de passagem de tempo, a cenografia toda rejuvenescia e envelhecia 20 anos diante dos nossos olhos. Isso era atender à dramaturgia e ser surpreendente ao mesmo tempo. Não posso terminar sem mencionar o conjunto da obra de Daniela Thomas.
Cite uma iluminação surpreendente.
A luz de Gerald Thomas é sempre surpreendente.
Cite um ator que surpreendeu suas expectativas.
Será surpreendente todo ator que desafia a si mesmo, buscando ultrapassar seus limites e desprendendo-se de vícios e ideias preconcebidas. É bom quando vamos ao teatro ver um ator e ele nos presenteia com algo que não esperávamos dele naquele momento.
O que não é teatro?
Todo o resto: TV, cinema, balé, circo. Podem ter componentes teatrais, mas não serão teatro.
Que texto você foi ler depois de ter assistido a sua encenação?
Recentemente, após ter assistido “As Troianas – Vozes da Guerra” (Zé Henrique de Paula), voltei ao original de Eurípedes. Foi bom.
A ideia de que tudo é válido na arte cabe no teatro?
Correndo o risco de ser careta, não sei se concordo com essa máxima de que “tudo é válido na arte”. Sou completamente a favor da experimentação e da pesquisa, ao mesmo tempo que acredito que arte tem regras, como qualquer fazer humano. Conhecer essas regras e essa tradição nos ajuda a pensar sobre como quebrá-las e na formulação de algo novo. Vivemos tempos muito delicados em que não se pode sair dizendo que tudo é válido – seria o mesmo que dizer que a prostituição infantil ou o crack são válidos como meios para alcançar algo em cena. São bons assuntos para o teatro, com certeza, mas definitivamente não são meios.
Na era da tecnologia, qual é o futuro do teatro?
O teatro é uma verdadeira arca de Noé das artes. Ele abarca a dança, a música, a arquitetura, a pintura. Certamente o teatro está de braços abertos para as novas mídias, linguagens e estéticas. Entretanto, penso que levar o teatro para dentro do computador ou da casa das pessoas… colocá-lo dentro de um tablet ou ainda em CD-ROM é descaracterizá-lo como arte coletiva. Gosto de pensar que o teatro será sempre aquele espaço aberto, com gente de carne e osso discutindo suas questões publicamente, como na ágora grega.
O teatro é uma ação política? Por quê?
Justamente porque é transformador, público e coletivo.
Quando a estética se destaca mais do que o texto e os atores?
Quando o texto é fraco, o encenador é pretensioso e os atores são ruins. E ninguém conversou com ninguém.
Qual encenação lhe vem à memória agora? Alguma cena específica?
A grande pesquisa estética que era “The Flash and Crash Days”, em que grandes atores (Fernanda Montenegro, Luiz Damasceno e Fernanda Torres) veiculavam um ótimo roteiro de Gerald Thomas, sem que ninguém aparecesse mais do que ninguém. Todos na medida. Lembro-me de muitas cenas dessa peça – em especial, a sempre surpreendente Fernanda Montenegro se masturbando em cena.
Em sua biblioteca não podem faltar quais peças de teatro?
Tantas quantas eu puder ter.
Cite um diretor (a), um autor (a) e um ator/atriz que você admira.
Já mencionei tantos aqui. Todos eles e mais: Plínio Marcos, Aderbal Freire Filho, Cacá Rosset, Serroni, Antunes Filho, Marco Nanini, Enrique Diaz, Roberto Lage, Gianni Ratto, Myriam Muniz e todos os que levam a vida sobre as tablas, como diria a grande Bibi Ferreira.
Qual o papel da sua vida?
O próximo.
Uma pergunta para Shakespeare, Brecht, Nelson Rodrigues… ou outro autor ou personalidade teatral que você admire.
Toda e qualquer pergunta que eu queira fazer para eles está respondida em sua vasta obra. A cada leitura de seus textos, novas perguntas surgem e novas respostas. Mudam os textos ou mudamos nós? Muda o mundo, e as perguntas talvez sejam sempre as mesmas.
O Teatro está vivo?
Tão vivo quanto nós, que estamos aqui e agora falando dele.