No último mês de julho, a APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes) escolheu e divulgou os indicados ao Prêmio APCA na categoria Teatro do primeiro semestre de 2022. Foram 15 nomes que adentraram a lista e que, no futuro, se juntarão aos escolhidos do segundo semestre de 2022 para concorrerem ao prêmio final e definitivo. Dentre esses, esteve o de Miguel Rocha, artista egresso do curso de direção da SP Escola de Teatro e um dos fundadores da Companhia de Teatro Heliópolis. Em entrevista, o artista compartilhou com a comunicação da Escola um pouco sobre seu trabalho na peça em que foi indicado: CÁRCERE ou Porque as Mulheres Viram Búfalos. Espetáculo que, de forma original e impactante, aborda a temática do encarceramento em massa sob a perspectiva feminina.
Cia. Os Satyros é destaque no Festival de Edimburgo com espetáculo The Art Of Facing Fear
A APCA é a mais tradicional instituição de críticos de arte do país, fundada em 1956, e atualmente com mais de 60 anos de atuação no meio cultural e artístico. O Prêmio APCA, nascido junto com a associação, possui cinco categorias distribuídas entre: Dramaturgia, Direção, Atriz, Ator e Espetáculo. Dentre os críticos que participaram da seleção estão Marcio Aquiles, coordenador de Projetos Internacionais da SP Escola de Teatro, e Miguel Arcanjo, coordenador de Extensão Cultural e Projetos Especiais na Instituição. Também se juntam a eles Celso Curi, Edgar Olímpio de Souza, Evaristo Martins de Azevedo, Ferdinando Martins, Gabriela Melão, José Cetra, Kyra Piscitelli e Vinicio Angelici. Nessa conjuntura, Miguel celebra a indicação por seu trabalho como diretor da peça, agradecendo aos colegas e rememorando os acontecimentos que levaram a tal conquista:
“Recebi a indicação com muita alegria e felicidade. Esse prêmio é o reconhecimento de uma trajetória construída coletivamente por muitos e muitas parceiros e parceiras que estão e estiveram juntos nessa jornada de vinte e dois anos resistindo, fazendo teatro na periferia da Cidade de São Paulo.”
Cia do Passáro estreia espetáculo com texto francês sobre amor LGBTQIAP+ em vários teatros paulistas
CÁRCERE ou Porque as Mulheres Viram Búfalos é a 12º montagem da Companhia de Teatro Heliópolis, portanto, marca a comemoração da data. Miguel é um dos fundadores do coletivo que foi criado nos anos 2000 e, desde então, busca abordar e denunciar temas importantes que perpassam o cotidiano da periferia de São Paulo, espaço onde o grupo surgiu. Nesse sentido, na entrevista, o diretor explica a importância desse acontecimento e de indicações como essa:
“Temos que comemorar porque significa que estão acontecendo pequenas mudanças que são frutos de uma luta e entendimento de que as artes produzidas nas periferias pertencem à cidade em toda sua dimensão.”
Em sua temática, a peça apresenta ao público a história das irmãs Maria das Dores e Maria dos Prazeres, irmãs gêmeas e filhas de Iansã, que precisam lidar com o fato de homens com papéis importantes em sua instituição familiar serem ausentes por estarem encarcerados. Após terem que conviver por anos o duro fato de o avô e o pai estarem presos, ambas se deparam com uma situação de injustiça e indignação: a prisão de Gabriel, um talentoso jovem desenhista que é filho de Maria das Dores. Nesse contexto, a narrativa do espetáculo se desenrola, trazendo temas importantes e urgentes ao apresentar um pouco da realidade dentro do sistema carcerário, judiciário e do crime organizado no Brasil. Em paralelo, o espectador também observa os dilemas enfrentados pelas personagens femininas que vivem duros conflitos dentro da sociedade machista que as envolve.
Confira abaixo a entrevista completa com o artista:
Como é ser indicado para um prêmio tão importante na cena cultural brasileira como esse? Qual é o impacto dessa indicação para você?
“Recebi a indicação com muita alegria e felicidade. Esse prêmio é o reconhecimento de uma trajetória construída coletivamente por muitos e muitas parceiros e parceiras que estão e estiveram juntos nessa jornada de vinte e dois anos resistindo, fazendo teatro na periferia da Cidade de São Paulo. Entendo que é importante esse reconhecimento na nossa trajetória principalmente por ser organizado por um colegiado de críticos que em outros tempos era algo inimaginável a um grupo da periferia ter a oportunidade de receber uma indicação ou até mesmo ser assistido por eles. Então temos que comemorar porque significa que estão acontecendo pequenas mudanças que são frutos de uma luta e entendimento de que as artes produzidas nas periferias pertencem à cidade em toda sua dimensão.”
Como foi o processo criativo de CÁRCERE ou Porque as Mulheres Viram Búfalos, sobre o que fala a peça?
“O processo criativo de CÁRCERE ou Porque as Mulheres Viram Búfalos, surge das nossas inquietações observadas na nossa pesquisa anterior sobre a Justiça. Uma pesquisa nos leva a outra pesquisa, um projeto vai nos levando a outros, as vezes um projeto não dá vazão a todas as nossas inquietações. A peça fala do universo do cárcere masculino tendo as mulheres como protagonistas que buscam alternativas para, ao menos, tentar romper os ciclos de opressão que as aprisionam em existências sem futuro. O título da peça faz referência às mulheres que transmutam as energias de violência e morte e reinventam realidades.”
Para você qual é a importância de tratar dessa temática na atualidade?
“Entendo como urgente e necessário por que o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo e com um sistema falido que não consegue cumprir seus objetivos e só reproduz injustiças.”
Quais foram suas expectativas com relação a devolutiva do público?
“Sempre procuro elaborar uma poética que possa suscitar questionamentos, discussões, e estabelecer um diálogo com o público, e acredito que em alguma medida o público se conectava com trabalho.”
Por Leticia Polizelli, com edição de Luiza Camargo