Ivam Cabral, diretor da SP Escola de Teatro, um dos fundadores da ADAAP (Associação dos Artistas Amigos da Praça) e um dos criadores do projeto da SPET, relembra o grande diretor Aderbal Freire-Filho, que nos deixou no último dia 9.
ADERBAL QUE SORRIA LINDO
Foi o Lauro César Muniz quem me apresentou ao Aderbal, de quem eu já era fã. E foi um encontro mágico, desses que transformam a vida da gente. E intenso pra caramba. Veio com o sorriso mais lindo do mundo e, imediatamente, começamos a trabalhar juntos. Primeiro, tentando salvar a SBAT – Sociedade dos Autores Teatrais, onde Aderbal estava presidente. Com o Aderbal, vieram juntos o Alcione Araújo, Millôr Fernandes e um monte de gente bacana. Imediatamente ficamos amigos e iríamos, a partir daí, criar e contar histórias incríveis.
Nesta época, infelizmente, Millôr Fernandes viria a falecer, em março de 2012, e Alcione tinha acabado de lançar seu romance “Ventania”; aliás, um grande e poderoso livro para falar do tempo, justamente o tempo que estaria se encerrando para o meu querido Alcione. Porque eu e Alcione iríamos nos grudar a partir deste encontro falando muitas vezes, falando diariamente. Alcione morreria pouco tempo depois, em novembro de 2012.
Mas com Aderbal foi diferente. Em comum os papos diários, trocas de mensagens e e-mails. Tínhamos muita coisa para fazer e, hoje olhando em retrospectiva, percebo que também corríamos contra o tempo. Foi tudo intenso e muito rápido.
A partir de 2012 um pequeno grupo, liderado pelo Aderbal, Lauro César Muniz, Dinovan Oliveira e por mim, iria promover coisas incríveis. Desde bate-papos, rodas de conversas e debates sobre dramaturgia até a realização de um grande encontro, o 1º Congresso Brasileiro de Dramaturgia, no Theatro Municipal de São Paulo, em 2014.
Neste momento estávamos realmente dispostos a salvar a SBAT – que, até hoje, enfrenta seríssimos problemas financeiros –, fortalecer uma rede de autores e ampliar as discussões do papel do dramaturgo no mundo, especialmente no Brasil.
Aderbal viria, a partir deste momento, integrar o conselho de administração da ADAAP, a Associação dos Artistas Amigos da Praça, que gere a SP Escola de Teatro, da Secretaria de Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo. E continuamos fazendo coisas juntos. Aderbal deu aula na nossa escola de teatro, participou de vários encontros com estudantes e formadores e fez da Praça Roosevelt uma extensão de sua casa.
Muita proximidade e identificações, chegamos a sonhar juntos o projeto “3 X Roveri”, que consistia em três diferentes montagens do texto “Os que Vêm com a Maré”, de Sergio Roveri, e que, com o mesmo elenco, estreariam ao mesmo tempo, com três diferentes versões. Juntou-se à empreitada o Enrique Diaz e o Rodolfo García Vázquez. O projeto, que previa ensaios no Rio de Janeiro, acabou sendo modificado por falta de dinheiro e a peça, que teve que ser ensaiada em São Paulo, estreou com as direções do Rodolfo, de Maria Alice Vergueiro e de Fernando Neves.
Elencaria aqui muito mais histórias. Porque foram anos intensos e cheios de inquietações. Aderbal sempre foi um sonhador nato e de sonhos eu também era um grande especialista.
A última vez que nos encontramos foi no final de 2019, quando Aderbal esteve no Sesc Ipiranga, talvez a última vez que nosso amigo esteve em São Paulo. Porque, no início de 2020, a gente encontraria uma pandemia pela frente e encontros seriam, a partir daquele momento e por um bom tempo, impraticáveis e, de certo modo, proibidos.
Mas continuamos a nos comunicar pelo WhatsApp. Aderbal e Marieta, seu grande amor, estiveram em uma sessão de nosso espetáculo, “A Arte de Encarar o Medo”, logo no início de nossas apresentações, no dia 12 de junho de 2020 – o WhatsApp registra estas datas. Foi a última vez que nos falamos. Dias depois nosso amigo querido seria acometido por um AVC hemorrágico.
Mas depois de ter assistido à nossa aventura digital, no dia 13 de junho, Aderbal deixaria uma mensagem de voz no meu WhatsApp. O tom da mensagem era de alguém que estava feliz e, apesar daquele momento tão triste que estávamos vivendo, trazia alegria e otimismo em sua fala:
“Marieta e eu acabamos de ver o espetáculo de vocês. Adoramos. (…) Eu tava escrevendo um artigo sobre… o que será do teatro, sobre essas especulações todas, como vai ser o teatro… enfim, foi ótimo ver… eu tava falando mal… (ri muito) das experiências várias, mas… foi muito bom ver porque deu um alento e uma boa perspectiva. Apesar de algumas questões genéricas e teóricas que tinham lá no artigo que estava escrevendo…
Foi ótimo, bacanérrimo. Marieta agora tá ali… A gente tá na Serra de Petrópolis. Além da gente tem uma filha e várias netas da Marieta, com quem ela tá agora porque a gente se ausentou da família pra ver sua peça. Mas uma maravilha. Adoramos, incrível, cheia de propostas, uma poética nova, cheia de invenção, de emoção, de muita coisa boa. Enfim… Uma hora dessas a gente fala mais e melhor, tá bom? Grande beijo.
Ah… ao final, a gente ficava querendo ligar o microfone e não conseguia. Eu ligava, clicava no microfone e dava um aviso que o microfone não ligaria… Aí, dizia que tinha que ir em configurações, configurar não sei que, não sei que… Eu ficava atrás dessas configurações e, ali, no calor do momento, não conseguia…
Fiquei clicando e, depois, tentei ir pro chat e também não deu certo… A gente é muito primário no uso dessas coisas todas, dessas tecnologias. Beijão.”
Obrigado, meu querido amigo. Aprendi demais com você e, prometo, seguirei com seus ensinamos e, também, com sua alegria. Essas lágrimas aqui, na verdade, são por nós que continuamos vivos neste planeta. Você não merece essa tristeza que nos circunda agora. A você, muita paz e muito amor. E alegria, que era sua marca registrada. Ficaremos com nossos melhores sorrisos. Vá com Deus, nosso querido!