“The Show Must Go On! – bradou o ator.”
Na noite da última quinta, 20 de maio, tive a oportunidade de assistir ao monólogo O Inferno é um Espelho da Borda Laranja, interpretado pelo ator Wander B. A peça faz parte da lista dos 12 espetáculos que compõem a 1ª Mostra Aldir Blanc na SP Escola de Teatro.
Desde que o teatro digital ganhou destaque no mundo teatral, em razão da atual pandemia de coronavírus, a falta da proximidade entre público e plateia – que o teatro, tradicionalmente, proporciona – começou a ser frequente. Mas, ao assistir a este monólogo, a sensação foi diferente.
“Seja muito bem-vindo ao meu teatro” – Wander B., diretamente do bairro do Bixiga em São Paulo, disse a cada espectador que se integrou à transmissão do espetáculo.
Ao contrário da impressão que essa recepção pode dar, o ator não pediu em momento algum que o público ligasse suas câmeras; tudo aconteceu de forma convidativa e natural.
Antes de iniciar a apresentação, em uma espécie de prólogo, o ator se apresentou, explicou alguns pontos relevantes quanto ao texto – o que permitiu à plateia ter conhecimento dos manuscritos que deram origem à montagem – e, por último, pediu ao público que tornasse qualquer barulho externo parte integrante da peça. Isto é, qualquer ruído de carros, motos, passarinhos, deveria fazer parte da experiência do espectador: “eu gastei uma nota para contratar a sonoplastia dessa peça” – brincou Wander B.
O texto, escrito pelo próprio ator, em conjunto com a dramaturga Elenice Zerneri, traz à tona reflexões elaboradas em uma noite de insônia. Mais do que entender uma estória ou se prender a uma narrativa linear, o texto nos leva a experimentar as angústias que a lógica atual, isto é, o comportamento dos indivíduos contemporâneos, revela.
Com muita simplicidade, usando apenas de belo jogo de luz e sombras, Wander B. consegue instaurar a sensação de desespero e, contraditoriamente, também de liberdade, que as noites em claro costumam trazer. Sem nenhum objeto de cena ou figuro marcante, o ator se apoia em partitura vocal e corporal precisas, em que a dança de suas mãos, como recurso de expressão, ganha destaque. No entanto, o texto veio a frente.
Talvez em detrimento da qualidade da transmissão, a imagem parecia estar, na maior parte das vezes, em preto e branco. Mas, o que poderia ser uma falha, para mim, contribuiu para a narrativa do espetáculo. Os cabelos descoloridos de Wander B. deram a sensação de serem cabelos brancos na cabeça de um jovem e, ao passo que o texto traz à memória da personagem o pai falecido, isto se tornou bastante interessante.
A meu ver, a montagem soube aproveitar as oportunidades que o teatro digital nos oferece nestes tempos: a relação íntima entre ator e plateia fez-se presente do começo ao fim. A brecha de conhecer artistas por essas novas plataformas talvez seja uma de suas grandes vantagens. Foi o aconteceu na noite desta quinta-feira!
Ao final do espetáculo, Wander B. mostrou que realizou o espetáculo em cima de sua própria cama e que, todo o jogo de luz e sombras foi construído a partir da lanterna de um único celular. Fez-se a magia do teatro: o artista que, a partir de um bom texto, leva o espectador a ver muito mais do que a realidade.
Como enfatizado, de forma irônica, muitas vezes ao longo da peça: The Show Must Go On! – bradou o ator.
Natália Beukers* é atriz pela Casa do Teatro, escola da Lígia Cortez (2008-2013). Formada, em 2016, pela Escola de Atores Wolf Maya, estreou profissionalmente em 2017 com a peça “O Tambor e O Anjo”, direção de André Garolli. Cumpriu temporada com O Jardim das Cerejeiras, com direção de Eduardo Tolentino (2019). É criadora da página InfoTeatro e colunista da Vogue Gente.
Siga: @infoteatro_ @nataliabeukers
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