Por Mauro Prazeres
A maquiagem é parte da composição do espetáculo, é um instrumento fundamental que auxilia na criação do personagem e na transformação estética dos atores. O maquiador atua junto à produção do espetáculo, acompanhando sempre a concepção do mesmo, com vistas a ressaltar ou criar elementos que ressaltem aspectos importantes para a compreensão do personagem.
Nesta edição, a coluna Bastidores conversa com o profissional Marcio Ricardo Desideri, que é artista plástico formado pelo Instituto de Artes da Unesp e maquiador profissional formado pelo Senac. Trabalha com maquiagem de caracterização para teatro, carnaval, musicais, televisão, eventos, publicidade e editorial, entre outros. Realiza, ainda, trabalhos com pintura corporal, esculturas, criação de próteses e máscaras de látex para compor suas criaturas. Ele atua há seis anos na área, é paulistano, tem 31 anos e dá aulas no Senac e na plataforma virtual eduK.
Marcio Desideri, maquiador artístico (caracterização, transformação e efeitos especiais) para teatro, cinema e TV – Fotos: arquivo pessoal
Mauro Prazeres: Como foi o início da sua vida profissional?
Marcio Desideri: Na verdade, nunca imaginei que fosse me tornar maquiador artístico. Comecei minha carreira como fotógrafo e, na época, tinha muita vontade de entrar na área de cinema como cineasta. Após tentar algumas faculdades, acabei sendo aprovado em Artes Visuais na Unesp, onde descobri um lado de performance, pintura, desenho. Até então, eu não desenhava nada.
O início da minha carreira como maquiador ocorreu quando eu estava no segundo ano de graduação, muito aflito por falta de trabalho. Minha faculdade ficava ao lado do Playcenter [antigo parque de diversões da Barra Funda, hoje inexistente]. Eles tinham uma vaga para trabalhar na atração “Noites de Terror”. do Playcenter (Antigo parque de diversões da Barra Funda que hoje não existe mais). A minha faculdade era ao lado do Playcenter e eu fiquei sabendo que eles tinham aberto uma vaga para as “noites do terror”. Tive o currículo aprovado e passei a trabalhar como maquiador de caracterização.
Confesso que foi muito difícil no começo, pois eu não tinha noção de maquiagem de caracterização, mas tive a sorte de ter muitas pessoas me ajudando, me dando apoio. Isso ocorreu em 2010 e, desde então, nunca mais parei. Passei a transferir todo o conceito de Artes Plásticas, escultura e pintura para as técnicas de maquiagem de caracterização e de efeitos especiais.
Maquiagem de caracterização para Halloween
MP: No decorrer de sua carreira, você fez cursos específicos para se tornar um profissional artístico?
MD: Após começar nas antigas “Noites de Terror”, fui sim atrás de aperfeiçoamento profissional por meio de cursos, workshop, palestras e congressos. Decidi que iria me profissionalizar na área da maquiagem. Também sempre fui muito autodidata, li muita literatura nacional e importada de grandes nomes da maquiagem. Vale lembrar que foi muito importante para mim o conhecimento da língua inglesa, pois é o idioma mais recorrente nos textos deste campo, assim como ocorre com os efeitos especiais. No Brasil, não temos nenhuma literatura de maquiagem cênica que dê o embasamento necessário para esses estudos. É de extrema importância que o profissional esteja muito antenado com o mercado internacional, suas técnicas e referências.
Espetáculo “A Bela e a Fera”
Espetáculo O Corcunda de Notre Dame
Ópera Dido e Aeneas
MP: Existem diferenças entre maquiagens para TV, teatro e cinema?
MD: Existem diferenças técnicas. Quando falamos de maquiagem para teatro, levamos em conta a iluminação: tipo de luz, cores, se a luz causa contraste. No teatro, geralmente se trabalha com o contraste entre luz e sombra, com contornos bem marcantes, pois deve se levar em conta a distância entre a plateia e os atores. A maquiagem deve ser visível, às vezes até exagerada. Em cinema e TV, existe a maquiagem naturalista, que imprime no ator os traços mais naturais possíveis. Para isso foram desenvolvidas as maquiagens HD de Airbrush, que são perfeitas para as novas tecnologias das produções e técnicas cinematográficas mais atuais. Apesar de não haver, ainda, muito investimento em técnicas de Airbrush no Brasil, existem produtos específicos que atingem qualidades incríveis, como bases mais finas que causam um efeito mais natural possível nas telas do cinema e da TV. Para o cinema existe, ainda, a questão dos efeitos especiais, usados, por exemplo, em simulações de acidentes ou caracterizações de monstros, zumbis, alienígenas. Nestes casos, é possível usar próteses para aumento de proporções.
Caracterização de Nosferatu (Premio em Cannes)
Trabalho para a TV SyFy Brasil, Alienígenas
Trabalho promocional para o Canal FOX Brasil, Promoção da Série The Walking Dead
MP: Quando você participa de um projeto para teatro, cinema ou TV, como funciona o seu envolvimento com o espetáculo? Você participa de todo o processo criativo, apresenta suas idéias? Como funciona a interface entre a maquiagem e a cena?
MD: Em qualquer projeto, sendo ele para teatro, cinema ou TV, primeiramente existe uma conversa com o diretor para alinhar as ideias e conhecer suas expectativas. Em um segundo momento, há uma nova reunião com o profissional do figurino para entender quais são os elementos que serão utilizados. Também é muito importante uma conversa com a técnica de iluminação para entender como será a montagem da luz e a afinação dessa luz para o espetáculo, assim como é necessário falar com a equipe de cenografia para saber e entender onde se passam as cenas. Depois disso, existe, ainda, uma conversa com cada ator e o conhecimento do roteiro que os mesmos irão seguir durante o espetáculo. Tudo isso para entender sobre os personagens e os movimentos de cena: se terá trocas de figurino, se haverá mudança da caracterização do personagem durante a peça. Depois de todo esse levantamento realizado, tem início a pesquisa de referências e a criação do visual.
Trabalho de caracterização da Comissão de Frente da Império de Casa Verde, premio Nota 10 do Jornal Diário de São Paulo
MP: Como você vê hoje o mercado para os profissionais de maquiagem artística, de caracterização e de efeitos especiais para teatro, cinema e TV?
MD: De uns anos para cá, o Brasil teve um grande crescimento nas áreas de maquiagem e beleza, e isso naturalmente foi sendo expandido para a área artística também. Existe uma grande demanda para este tipo de trabalho, seja para publicidade ou produções teatrais, e ainda poucos profissionais na área. Justamente pela alta da demanda, foram surgindo cursos profissionalizantes voltados para maquiagem cênica. Estamos em plena expansão desse mercado de trabalho, e uma grande ferramenta que aumenta o interesse das pessoas para essa profissão são os tutoriais do Youtube, com os norte-americanos fazendo as transformações, ensinando automaquiagens.
MP: Para concluir, o que você diria aos profissionais que estão começando na carreira?
MD: A minha mensagem aos novos profissionais é que acreditem em seu trabalho, amem aquilo que fazem, estejam sempre exercendo sua criatividade, gostem de se atualizar, se informem sobre novidades do mercado, fiquem antenados com os grandes profissionais da área, assistindo a muitos filmes com os olhos críticos de quem analisa as maquiagens como profissionais, gostem de desenhar, de criar personagens, ler muita literatura da área, e, a partir daí, criar o seu universo de personagens. Outro ponto fundamental e investir no seu portfólio, investir em materiais de qualidade, embora sejam caros. Ter humildade é fundamental nessa área, como em qualquer profissão. Estar sempre de coração aberto pronto a ajudar, a passar o conhecimento adiante e fazer tudo com paixão, desenvolver a sua própria assinatura e ser reconhecido por ela.