Apresentação do livro “Minha história é viver”, de Vilmar Ledesma, para a Coleção Aplauso da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo (para ler a obra, na íntegra, clique aqui)
Esse é um livro em vários tempos. Começou a surgir em 2004, quando as águas de março se esforçavam para fechar o verão e seu ponto final passou por várias etapas – a segunda, em setembro daquele ano; depois, mais uma no começo de 2006 e a última quando faltam três meses para o fim de 2008. Na primeira fase, permaneceu alguns meses em gestação, depois ganhou praticamente a forma e por alguns períodos descansou em algum recanto do computador aqui de casa ou no da minha biografada. Foram várias estações. Mas existe a contagem do tempo pelos ponteiros dos relógios, folhinhas de calendários e existe o tempo Joana Fomm. Pode estar certo de que este último é bem mais interessante.
Com 23 anos, Joana Fomm largou a vida promissora de jovem estrela carioca e, com a cara e a coragem, veio se arriscar nas trincheiras paulistas do Arena. Quarenta anos depois, ela estava outra vez em São Paulo gravando sua participação na novela Metamorphoses e nossa primeira conversa foi na sala de visitas de um apart-hotel, bem no alto de um daqueles prédios modernosos da Vila Nova Conceição. É uma parte urbana, próspera, da cidade, bem diferente do centro antigo que a abrigou no começo dos anos 60. Cinco da tarde, logo depois de uma daquelas chuvaradas quentes e torrenciais. Começamos a conversar justamente sobre os seus primeiros tempos na cidade e foram duas horas de papo gravado, só interrompido quando um arco-íris anunciou sua presença no azul-escuro do céu. A beleza era tamanha que Joana não resistiu e foi até seu quarto buscar a câmera digital para registrar a natureza em toda sua exuberância.
Depois desse primeiro encontro, uma série de telefonemas e datas que nunca batiam. Ou eu ligava ou ela ligava, mas volta e meia um dos dois chamava. O tempo – o real – foi passando e, quando acabaram as gravações da novela, Joana voltou para seu lar carioca. Continuamos a falar ao telefone e uma nova conversa diante do gravador era apenas uma questão de marcar a data e cidade. Rio ou São Paulo?
Foi no Rio, no alto Leblon, nos primeiros dias de junho 2004, quando um friozinho paulista tomava conta da cidade maravilhosa – e Joana não suporta frio. Como numa canção de Adriana Calcanhotto: cariocas não gostam de dias nublados… e nisso a carioquice de Joana é explícita. Nada da impessoalidade do cenário anterior, agora conversávamos nos sofás de sua sala. E como é a casa de Joana? Com estantes repletas de livros, vídeos e DVDs, todos com jeito de já terem sido manuseados e a maioria mais de uma vez. É uma casa de atriz sem a menor dúvida. Nas paredes, poucas fotos, a principal é um pôster preto-e-branco de uma cena de O Filho do Cão, montagem do Arena nos anos 60. Joana divide o confortável apartamento com o filho Gabriel e três gatos e havia alguma tensão no ambiente, pois um dos felinos, ainda novato no pedaço, desperta a desconfiança dos dois moradores mais antigos.
Não é nem um pouco difícil retomar nossa entrevista e Joana não costuma fugir de perguntas ou assuntos. Com delicioso senso de humor e raciocínio rápido feito flecha, ela não desmente a fama de mulher inteligente. Nossa despedida foi na porta do elevador – antes ganho um exemplar autografado de À Hora do Café, livro de contos que ela lançou pouco depois da de viver a famosa Yolanda Pratini de Dancing Days – e marcamos novo encontro no dia seguinte e ao mesmo horário, ao cair da tarde. Deixei o Leblon no começo da noite sob uma chuva lenta e ininterrupta, que encobria as belezas naturais cariocas.
Foram mais ou menos assim nossas sessões de entrevistas seguintes – longas se medidas pelos ponteiros do relógio e curtíssimas devido a tantos assuntos a serem tratados e a delícia que é ouvir a bela Joana Fomm falar de si, de trabalho e das coisas que a cercam. Ela circula com intimidade pelas palavras e sempre as escolhe com clareza, mesmo quando discorre sobre assuntos não necessariamente fáceis. E não costuma ser condescendente ao analisar acontecimentos de sua vida, muito pelo contrário. Inquieta – hoje mais contemplativa, como ela avalia – e encantadora, Joana dispensa as armadilhas do show business e, com caráter e dignidade, passeia pelo mundo com um jeito todo seu e sem nunca dispensar coisas tão simples e por isso mesmo meio complicadas para simples mortais, como afeto e generosidade.
O computador entrou com força na vida de Joana. Além de usá-lo para escrever e se comunicar via e-mail, ela costuma passar horas envolvida com cores e formas, elaborando seus desenhos. E também não dispensa a parte cassino na surpresa das cartas da Paciência-Spider. Foi via computador que o livro seguiu para o Rio para apreciação da atriz. Poucos dias depois falamos ao telefone e ela me disse que “modificaria” algumas coisas. Mais ou menos nessa época, Joana aceitou o convite para encenar As Pequenas Raposas, peça de Lilian Hellman, com direção de Naum Alves de Souza. Entusiasmada com sua personagem, a perdedora Berdie, e com a volta aos palcos, o tempo real de Joana andava escasso.
Exatamente dois meses depois, numa manhã de segunda-feira, recebo o livro de volta. As modificações de Joana vieram no sentido de acrescentar detalhes, dar mais claridade ao texto, já que ela é íntima das letras – escreve poesias, contos e crônicas. Joana não cortou nada que alterasse o rumo das coisas, muito pelo contrário, acrescentou alguns detalhes saborosos.
Pronto e aprovado pela biografada, esse Minha História é Viver passou por mais um tempo de espera até virar livro.E como o tempo não pára, Joana logo estava envolvida em outra peça, Duas Vezes Pinter, e dessa vez numa retomada do trabalho em grupo, o que mais a entusiasma, ao lado dos amigos de muito tempo Ítalo Rossi e Esther Jablonski. E praticamente emendando um trabalho no outro, Joana voltava às novelas (e à Globo) como a Veridiana de Bang Bang. Claro que esses três trabalhos não poderiam ficar fora desse livro e uma atualização se fazia mais do que necessária, o que ocorreu via telefone e e-mail. Vieram outras atualizações e conversas ao telefone até esse livro ganhar seu verdadeiro ponto final, quando Joana está envolvida com os ensaios de uma nova peça – Retirada de Moscou – A História de Um Recomeço. Então, esqueça – se for capaz – Yolanda Pratini e Perpétua, megeras famosas que Joana Fomm viveu na TV, pois sua criadora é muito mais interessante que todas elas juntas e espera por você nas próximas páginas.