Trabalhar e amar é o que há de bom neste mundo, diz Freud, no fim da vida – não com estas palavras, talvez não nesta ordem! Pois eu digo que compartilhar faz toda a diferença. E isso supõe dois – ninguém divide nada sozinho. Ter um amor destaca o mundo, faz com que enxerguemos em relevo, altera as cores, dá espessura à vida, dá graça, dá profundidade. Leveza, beleza. Disposição. Nosso amor nos põe em estado de êxtase, de epifania… É a melhor de todas as drogas. A mais poderosa.
O fato é que aquilo que a gente diz, faz e pensa depende de quem está perto. E as pessoas que amamos nos fazem melhores seres humanos. Elas puxam de dentro de nós vários “eus” que nem suspeitávamos que existissem. O objeto do nosso amor nos faz lindos, mesmo que sejamos feios; poetas, mesmo que não tenhamos sensibilidade alguma, nem traquejo com palavras; inteligentes, mesmo que tenhamos QI de ostra… Ser amado nos faz generosos. Altera o tempo e faz com que tudo caiba… Nosso amor abre os mares pra que a gente passe. Ele abre também nosso apetite, embora a paixão tire a fome!
Há turbulências, porém, no horizonte. Os amores acabam! Um dia o seu amor vira a esquina. E não volta mais. Terá ido comprar cigarros? Dor! Você pensa que tem saudades dele. Você morre de chorar. Depois vem o luto. Depois passa – porque tudo passa!
Mas saiba: as saudades não são dele (do seu amor), e, sim, de você mesmo. Saudades de si! A falta que mais dói é daquele “eu” muito melhor, daquele “eu/outro” desconhecido até então, fruto da mágica do amor… Aquele tal “eu” maravilhoso… Never again, baby! Ele (aquele “eu”) vai embora, escoa pelo ralo, junto com o fim da paixão. Você era milionário e subitamente perdeu tudo. As coisas que você dizia, pensava, fazia… Adeus! O “eu” surpreendente, por quem você de fato se apaixonou, evaporou-se. Foi-se. Inês é morta.
Mate seu amor e saiba morrê-lo! Faça uma boa refeição totêmica/canibalística. Faça isso simbolicamente, de preferência, para não ir parar na prisão. A digestão há de tornar tudo aquilo, toda a ilusão vivida, agora de verdade, de fato e de direito, uma parte cara de você mesmo. Mas leva tempo. Seja você mais azul e mais denso. Acumule cicatrizes de amor. São histórias. A paixão é um engano bom…
Diga tchau aos seus amores e seus “eus” queridos, espalhados e perdidos pelo mundo. Se amados de verdade, fizeram você se transformar numa outra pessoa! Tenha para sempre saudades daquele outro você mesmo!… E queira ser ainda melhor. Seja “outro” de novo com outros amores que vierem. Faça a fila andar!
PS 1 – a expressão “sabê-lo morrer” foi roubada diretamente do poeta David Calderoni…
PS 2 – Desde esse olhar, Jamil Torquato, o dramaturgo, escreveu:
“Saudades de mim –
Meu amor,
Não deixe que eu sinta saudades de mim
Sinto saudade do sorriso, do carinho, do olhar doce e complacente de tudo, de todas as suas graças, cuidados, raivas, sorrisos e risadas
Não deixe que eu sinta saudade de mim, saudade de como sorrio, de como falo, de como ando, pego, beijo, abraço, de como me sinto leve, livre, feliz…
Sinto saudades da maneira como me deito ao teu lado e não sinto nem frio nem tristeza ou solidão
Meu amor, não deixe que eu sinta saudades de mim
Não quero sentir que era outro, quando na verdade acredito que sou o que realmente sou quando estou com você
Meu amor não deixe
Meu amor não me deixe
Meu amor, não quero te deixar pra me deixar partir
Quero ser esse, sempre em tudo e com todos
Meu amor, não deixe que eu sinta saudades de mim e ainda mais, que os outros sintam saudade desse eu quando estou contigo, eles também acreditam ser o meu lado verdadeiro
Meu amor, não deixe que eu sinta saudades de mim e me perca na imensidão desse mundo que sou e fico quando você não está por perto
Minha vida se torna um labirinto com cheiro frio, e o sol que antes me invadia quando você vinha em minha direção já não mais aparece, tudo isso porque você me faz sentir falta de mim
Não me ensine a te esquecer, senão eu me perco – e me desencontro naquele eu que não sou mais.
Meu amor, não deixe que eu sinta saudades de mim
Meu amor, não me deixe, e mais ainda meu amor, eu não quero me deixar!”
* por Sergio Zlotnic, especial para o portal da SP Escola de Teatro – zzzzlot@gmail.com