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A selfie no teatro (ou desliga essa porcaria)

Publicado em: 02/10/2017 |

“Hoje, tudo existe para terminar numa foto.”
Susan Sontag

 

Luciano Chirolli e Danilo Grangheia em cena de “As três velhas” (Foto: Bob Sousa)

O fotógrafo de teatro enfrenta ao longo de toda a sua vida o drama de ser invisível. É claro que esse estado nunca será alcançado – o que realmente faz da profissão um drama – mas a prática da fotografia de cena exige um comportamento silencioso e discreto.

Frequentemente, dentro dos espaços teatrais, me deparo com toda sorte de aficionados, não pela fotografia, mas pela glória de ter em suas mãos um fragmento da cena e de seu artista predileto (ou não).

 

Com a chegada da selfie, a mais nova onda do momento, a prática se alastrou feito praga no capim e não poupou salas teatrais, shows musicais, cerimônias, festas e, pasmem, velórios e enterros.

A onipresença das fotos nos faz sentir que o mundo é mais acessível do que é na realidade e, comumente, a fotografia nos leva a pensar que conhecemos o mundo da mesma maneira como a câmera o registra. Mas nunca se compreende nada a partir de uma foto. As fotografias podem nos oferecer imagens que nos ajudem a compreender o presente e o passado, mas a representação da realidade pela câmera oculta mais do que revela. Sobre a fotografia como forma de compreensão da realidade, Bertolt Brecht escreveu: “[…] uma foto da fábrica Krupp não revela quase nada a respeito dessa organização”.

Para Susan Sontag, “[…] o conhecimento adquirido por meio de fotos será sempre um tipo de sentimentalismo, seja ele cínico ou humanista. Há de ser um conhecimento barateado – uma aparência de conhecimento, uma aparência de sabedoria; assim como o ato de tirar fotos é uma aparência de apropriação, uma aparência de estupro”.

Somos todos dependentes das imagens, e essa sociedade viciada nesse consumismo estético nos conduz à tentativa de confirmar a realidade e reforçar a experiência vivida por meio de imagens. Nos dias de hoje, fotografar é transformar a experiência em uma imagem. Ter uma foto é o mesmo que ter um momento vivido.

E é sobre essa perda da experiência, a perda da arte de narrar um acontecimento vivido, que Walter Benjamim escreve em seu texto “O narrador”:

“É como se estivéssemos sendo privados de uma faculdade que nos parecia totalmente segura e inalienável: a faculdade de intercambiar experiências.”

A experiência de vivenciar uma grande obra teatral não precisa terminar numa foto. Os “invisíveis” fotógrafos de teatro se encarregarão de zelar por essa memória.

 

Bob Sousa é fotógrafo de teatro e mestrando em Artes Cênicas no Instituto de Artes da Unesp sob a orientação do Prof. Dr. Alexandre Mate.