Uma atividade me parece mais solitária do que fotografar: escrever.
No confronto com essas duas atividades me sinto desesperadamente sozinho tentando encontrar um feixe de luz que possa ajudar a direcionar o caminho quase sempre obscuro. O espaço vazio da encenação nos minutos que antecedem a qualquer espetáculo que me proponha a fotografar não é mais solitário que a tela branca do computador à espera das palavras de um texto.
Falar sobre solidão na era das redes sociais e inovações cibernéticas parece um tanto anacrônico, mas foi parte desse caminho que a Cia. Artehúmus atravessou para encontrar “O desvio do peixe no fluxo contínuo do aquário”, espetáculo resultante da criação de Cristiano Sales, Daniel Ortega, Edu Silva, Evill Rebouças, Natália Guimarães, Roberta Ninin e Solange Moreno.
O grupo foi a campo, e, como aparece no programa da peça, foi preciso “[…] identificar as relações sociais e éticas em cartografias coletivas residenciais”, investigar o quanto os diferentes tipos de arquiteturas podem interferir nas relações e os comportamentos construídos nesses territórios.
A obra “transporta” habitantes de uma mesma família para espaços distintos – quase prisões – dentro de um mesmo aparta(mento) e potencializa, por meio de monólogos, o estado de solidão que nos atravessa nesses dias. O estado catatônico dos atores e atrizes só é quebrado quando intermediado por aparelhos eletrônicos – celulares e notebooks – que tentam restabelecer o diálogo com algo exterior.
Outra possibilidade de contato se dá no convite que o elenco faz para que os espectadores invadam a cena e partilhem de um café com biscoitos. O detalhe é que nesse possível ponto de contato os atores se comunicam com os espectadores por meio de aparelhos eletrônicos, mostrando fotos e arquivos pessoais.
A fotografia, muitas vezes difundida como o ápice do real – pelo modo mecânico e sem a interferência do humano na captura da imagem – seria capaz de apresentar um espelho da realidade e só se materializa na presença de um referente. É preciso estar diante de alguém para poder retratá-lo.
Numa das cenas do espetáculo a atriz Natália Guimarães apresenta um porta-retratos com uma imagem vazia.
Sendo a fotografia um “movimento rumo ao contato”, segundo Philippe Dubois – em “O ato fotográfico” (1990) – ela precisa narrar uma história. Ela não pode parecer com nada.
Para Walter Benjamin, em “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” (1985), o retrato seria o culto a lembrança dedicada aos seres queridos, afastados ou desaparecidos.
E a partir das reflexões apontadas pela Cia. Artehúmus, qual é o rosto da nossa atual sociedade?
Bob Sousa é fotógrafo de teatro e mestrando em Artes Cênicas no Instituto de Artes da Unesp sob a orientação do Prof. Dr. Alexandre Mate.