Em seu ensaio “O autor como produtor”, o filósofo alemão Walter Benjamin afirma que a fotografia não seria capaz de apresentar cortiços ou montes de lixo sem exaltá-los. Em outras palavras, a função da fotografia seria transformar a própria miséria em objeto de fruição.
Essa foi a sensação que tive ao fotografar o espetáculo {ENTRE}, do Coletivo Negro (SP), que faz parte do projeto Celebrização do Homem Comum. Aliada ao “poder” de estetização das imagens capturadas pela câmera, a potência sensível da encenação consegue cumprir seu objetivo: tornar poético o comum.
A obra, com direção de Raphael Garcia, foi escrita por Jé Oliveira, a partir das provocações dramatúrgicas de Grace Passô, e traz à tona a vida cotidiana do homem comum em suas relações sociais. As cenas apresentadas em linguagem documental – numa referência ao filme “Edifício Master”, de Eduardo Coutinho (2002) – apresentam as histórias de quatro personagens apresentadas pela atriz Thais Dias e os atores Flavio Rodrigues, Jefferson Matias e Jé Oliveira. Os músicos Cássio Martins e Fernando Alabê, também no espaço da encenação, apresentam a trilha sonora do espetáculo ao vivo.
Em um conjunto habitacional da periferia são apresentadas quatro histórias: de uma mulher grávida e abandonada pelo companheiro, de um pai que deseja retornar ao seio familiar, de um filho que busca encontrar sua identidade e de um médico que retorna ao local de nascimento para se reencontrar com seu passado.
A obra é marcada por rituais de passagem em que temas como gravidez, busca da identificação/identidade e retorno às origens podem alterar nossos caminhos. Uma porta, usada de vários modos, caracteriza-se como símbolo potente, que constrói e desconstrói a cenografia, e funciona como esse elo de transposição das nossas escolhas, sejam elas conscientes ou não.
Em meio a estes e outros ritos de passagem, a fotografia dialoga com a poética da obra, uma vez que é ela que cumpre o papel da confirmação dessas celebrações: certo traço de sua existência.
A fotografia, Segundo Philippe Dubois, certifica, ratifica, autentica, atesta ontologicamente a existência do que foi fotografado, pois ela é a impressão física de um referente único. Ela aponta nosso olhar e nossa atenção para aquilo que realmente aconteceu. Para a existência de um momento vivido.
A cena das fotos das famílias de integrantes do grupo teatral, apresentadas no telão, formado pelas portas, consagra a celebração do homem, um ser coletivo que carrega em si o seu tempo e sua história.
Bob Sousa é fotógrafo de teatro e mestrando em Artes Cênicas no Instituto de Artes da Unesp sob a orientação do Prof. Dr. Alexandre Mate.