A vinda de Henry Thorau ao Brasil, a convite do departamento de Extensão Cultural da SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco, gerou muita expectativa por parte dos aprendizes dos cursos regulares de Dramaturgia da Escola. Nem todos puderam fazer o curso, mas vários participaram da mesa de debates, aberta ao público no último dia 9 de agosto, sob o tema “O Que é um Dramaturg e seu Papel na Encenação do Texto”. Nada melhor que entender como a tradição influi no papel de um dramaturg (ou dramaturgista, para nós, no Brasil), a partir da experiência alemã (afinal, é o país-berço dessa tradição), especificamente na trajetória do ex-dramaturg do (nada menos que o) Volksbühne, teatro vanguardista alemão, e hoje professor da Universidade de Trier.
A mesa, qualificada: presentes, além de Thorau, o diretor de teatro Antonio Gilberto (RJ) e o dramaturgo Evill Rebouças (SP), que mediou o debate. Não à toa, o espaço de eventos do 7º. andar da Sede Roosevelt da Escola ficou lotado. Aprendizes, pesquisadores, dramaturgos, atores, diretores de teatro e interessados. A introdução veio em forma de mote, e em português, mas sob forte sotaque: “O diretor, sempre; o autor na estreia, o dramaturg, nunca”.
O dramaturg é um intelectual que realmente aparece pouco, mas que marca sua ação em todas as instâncias do processo espetacular. Trata-se de um intelectual, braço direito do diretor, por assim dizer, e que se destaca como um mediador e “olho” crítico do processo teatral. Nas mudanças das funções do teatro, com ênfase em novos contextos para o texto dramático (é possível pesquisar melhor as mudanças de paradigma no “Dicionário do Teatro”, de Patrice Pavis), o papel do dramaturg ganha cada vez mais peso.
Também no Brasil, faz-se cada vez mais indispensável nos processos de construção do espetáculo. Se pensarmos nas composições cada vez mais abertas do drama, cuja completude só se faz na migração do texto para a cena, podemos entender o dramaturgcomo um dos grandes condutores dessa migração, ao lado do diretor.
Definição, ainda
Importante destacar que, de acordo com o “Dicionário de Teatro”, de Patrice Pavis, o emprego técnico moderno de dramaturgo corresponde ao de “conselheiro literário e teatral agregado a uma companhia teatral, a um encenador ou responsável pela preparação de um espetáculo”. No sentido tradicional, o conhecido “autor de dramas”.
Pavis lembra que o primeiro dramaturg foi Lessing (1728-1781), que, a partir de seus escritos (“Dramaturgia de Hamburgo”, de 1767), criou uma “tradição alemã de atividades teóricas e práticas, que precedem e determinam a encenação de uma obra”. Tanto que os alemães também diferenciam o dramatiker, aquele que escreve as peças, de quem prepara sua interpretação e realização cênicas. Muitas vezes as duas atividades são desenvolvidas simultaneamente pela mesma pessoa.
Thorau também ressaltou os cursos de Dramaturgismo na Alemanha. Destacou a cadeira para dramaturg, por exemplo, na Universidade das Artes, em Berlim, com uma concorrência invejável – media de 400 candidatos para cada dez vagas. “Não se exclui, porém, que ‘dramaturgistas tenham surgido, a partir da formação como dramaturgos’”, sublinhou.
No Brasil
O termo dramaturg, no Brasil, não é muito usado. Prefere-se a palavra dramaturgista. Há confusão no emprego de ambos os termos, tendo quem entenda o dramaturgista como o profissional que escreve textos teatrais, a partir das interações na sala de ensaio. Não se trata de uma visão equivocada, mas entendido no seu sentido tradicional, o dramaturgista seria o crítico, contextualizado, pesquisador de documentação em torno da obra, adaptador, estudioso das articulações dos sentidos do texto, exercendo até mesmo as funções de tradutor e de quem corta o texto (seguindo Thorau).
O diretor de teatro e coordenador de artes cênicas da Funarte, Antonio Gilberto, destacou nomes brasileiros de pesquisadores e estudiosos, que exercem junto a autores e/ou companhias o papel de dramaturgistas: Silvana Garcia, Fátima Saadi, Sérgio Coelho e Beth Lopes. Criar objetividade e unidade é a função salientada por Antonio Gilberto para o papel do dramaturg. Evill acrescentou o exemplo do trabalho de dramaturgista de Valderez Cardoso Gomes, na montagem de “Macbeth”, com direção de Ulysses Cruz, nos anos 90.
Sobre Thorau
Henry Thorau é um desses profissionais cuja qualificação e experiência atraem interesse. Ele é de Berlim, Alemanha, professor titular na Universidade de Trier. Nos anos 80, foi dramaturgista-chefe do Teatro Freie Volksbühne, Berlin-West. Foi tradutor de peças de Nelson Rodrigues, Plínio Marcos, Augusto Boal, entre outros. Escreveu: “O Teatro do Oprimido na Teoria e na Prática” (1982), “Perspectivas do Moderno Teatro Alemão” (1984), “Teatro Político no Brasil” (1990), “Captação – Estudo Etno-Psicológico Sobre Terapia-Trance no Brasil” (1994), “O Teatro Invisível” (2012), entre outros.
No Brasil, o curso abriu com uma introdução histórica de como funciona o sistema no teatro alemão e qual a função do dramaturgista. Os módulos temáticos das aulas, ao longo das três semanas (elas se encerram nesta quinta-feira, 23), têm focado sobre as experiências do teatro alemão: a história da Berliner Schaubühne; do Berliner Ensemble; o trabalho de autores como Bertolt Brecht, Heiner Müller, Thomas Bernhard; e também sobre o assim chamado teatro dos autores e dos diretores (Rudolf Noelte, Peter Zadek, Jürgen Gosch, Karin Henkel); o teatro coreográfico (Johann Kresnik) versus o Tanztheater (Pina Bausch), e finalmente, o teatro pós-dramático, com exemplos de espetáculos atuais, como os de Christoph Marthaler, René Pollesch e Herbert Fritsch.