…A cada gesto, morriam de rir.
Um deles chegou até a se arrastar no chão, de tanta graça, buscando conter em si a refeição recém-consumida. Uma outra se contorcia, pressionando o abdômen, com medo de passar mal. O terceiro dava tapas na própria coxa. A moça do canto ria baixo, grave e seco. Pois:
Cada um tem um jeito próprio de dar risada.
A risada revela imediatamente a personalidade da pessoa.
Até a origem social se manifesta numa gargalhada. Mas muito mais do que isso.
É por isso que alguns tapam a boca, numa tentativa de brecar a nudez de espírito. Buscam mostrar menos da matéria de que são feitos. Mas fracassam: é como querer não se molhar debaixo de uma tempestade. Se o fluxo do riso já se deu, penetrou-se vários metros abaixo do iceberg da alma. Os subterrâneos da pessoa se manifestam…
Rir é como descobrir-se subitamente sem calças numa cerimônia a rigor.
A risada desarma o homem que, por um momento, fica exposto, vulnerável, em descontrole.
Outros, entretanto, tapam a boca para evitar que a dentadura escape na gargalhada.
Alguns riem como quem chora. Outros riem como quem ri. Alguns riem como quem tosse. Outros riem como quem geme. Alguns riem timidamente. Outros riem com exuberância.
Alguns transbordam. Outros, conta-gotas.
O riso de uns faz pensar em cócegas. O riso de outros faz pensar em hemorragias. Noutros, hemorróidas.
Uns riem garoa fina. Outros riem Foz do Iguaçu.
Nalguns, pulmão inteiro se manifesta. Noutros, apenas dentes. Noutros ainda, a ausência deles.
O riso diz do que a pessoa se alimenta.
Uns riem mingau; outros, caipirinha.
Ao rir, a pessoa revela se é amada, se tem medo, se ainda deseja, se é feliz.
O riso nuns revela paixão; noutros, economia.
Generosidade aqui, mania de limpeza ali. Grandeza de espírito alhures. Firmeza de propósito acolá.
O mesmo ocorre com o espirro. Riso e espirro são fenômenos de fronteira. Indefinidos e híbridos, ainda não decidiram em que campo estacionar: animal ou humano. Tanto o riso quanto o espirro têm um pé na selva e outro na civilização.
O animal que a pessoa é aparece inteiro no riso e no espirro.
Alguns são jumento; outros, quati.
Ao rir, normalmente, a pessoa feliz solta um som ao expirar. A este som dá-se o nome de riso.
Algumas pessoas, entretanto, acrescentam outro som na inspiração. São justamente estas pessoas que revelam com evidente clareza o bicho que são – que estava camuflado, hibernando, até o descontrole. É a besta que habita o homem que desperta e se agita (mas, no caso do riso, geralmente é a besta do bem).
Além dum som, algumas pessoas, ao expirar, soltam também um pum (não quero esquecer de nada, mas também não vou entrar em detalhes…).
Os animais também espirram, embora nenhum deles ria (a hiena, talvez? E exceção seja feita, também a Gabinha, minha cachorra, que deus a tenha…).
Cães ladram, leões rugem, pintassilgos chilreiam, mariposas farfalham, poetas versejam.
Guincham, grunhem e balem.
Mesmo havendo diferenças, um latido é equivalente a outro, um rugido a outro, um chilreio a outro.
Ao contrário, no quintal do homem, mesmo havendo semelhanças, um espirro é irredutível a outro.
Riso e espirro são como impressão digital.
O bocejo é um fenômeno do mesmo tipo: singular e fronteiriço! É manifestação de linguagem. No fundo, uma quase palavra que (talvez pelo fato de a pessoa estar cansada, no caso do bocejo) ainda não se despregou totalmente do corpo.
E fim.
Ps1- como se viu, coloquei no mesmo patamar ‘poetas’ e ‘animais’. Os verdadeiros poetas sentir-se-ão orgulhosos. Só quem toca a selva merece ser lido…
Ps2- felicidades para você, leitor, e até agosto. Comentários, mensagens e cartas a partir da ‘coluna zzzlot!’ devem ser enviadas para zzzzlot@gmail.com . Responderei a todos, mas sou um só!
* por Sergio Zlotnic, especial para o portal da SP Escola de Teatro – zzzzlot@gmail.com