JONAS LÍRIO
Aline Negra Silva carrega no nome um orgulho. Aprendiz egressa do curso regular de Direção da SP Escola de Teatro e atriz pela Faculdade de Artes do Paraná, adotou o nome artístico depois de notar o baixo número de mulheres negras que encontrou durante sua formação – forma sutil, mas direta, de se posicionar e se fazer vista na cena teatral paulista.
“O universo do teatro é excludente, dá para contar na mão quantos diretores e diretoras negras conseguem viver só de arte, hoje”, diz. Mas isso não quer dizer que seu trabalho seja voltado a apenas essas questões. “Tenho vontade de falar de muitas coisas que ultrapassam a temática da mulher negra”, afirma.
O trabalho humano é um tópico que também norteia a obra de Aline. A aproximação com essas questões começou em 2014, quando a diretora participou de uma residência artística no Teatr Fredry, na Polônia, durante um intercâmbio oferecido pela SP Escola de Teatro. Lá, ela montou e dirigiu a peça “Confissões de um Masoquista” (foto abaixo), do dramaturgo checo Roman Sikora, que aborda a precarização dos direitos trabalhistas.
A montagem recebeu o prêmio de Melhor Espetáculo, eleito pelo público, no Festival de Koszalin Jovem Confronto M–Teatro, em 2015, e foi encenada numa versão em português no Teatro da USP (Tusp), em 2016.
Na trama da peça, um masoquista descobre que consegue satisfazer seu desejo de humilhação ao se submeter a condições de trabalho cada vez mais deploráveis. As questões que permeiam o texto instigam o pensamento criativo da diretora até hoje.
A viagem à Polônia foi uma surpresa e uma aventura para Aline, que chegou ao país sem saber o que a esperava. “A relação dos poloneses com o teatro é absolutamente diferente da nossa. Eu venho de uma escola em que se faz teatro de grupo, em que todo mundo faz de tudo, da criação do espetáculo à montagem e desmontagem do equipamento,” explica.
Na montagem polonesa, Aline Negra Silva chegou trabalhar com profissionais de extensa carreira teatral mas sem experiência com criação coletiva. O que, segundo a artista, foram obstáculos que ela precisou superar.
Naquele trabalho no exterior, Aline foi responsável por administrar uma equipe grande pela primeira vez, e isso se transformou na experiência mais importante de sua vida, “abrindo horizontes para um pensamento crítico sobre teatro e sobre o fazer teatral no nosso país.” Voltar à realidade do Brasil, no entanto, reforçou sua vontade de se aprofundar na questão do trabalho.
Hoje, ela trabalha como mediadora cultural, dedicando-se ao teatro paralelamente. No próximo semestre, Aline estreia um novo espetáculo, “Leoa na Baia”, em parceria com a dramaturga Maria Shu, também aprendiz egressa da SP Escola de Teatro. A peça, não por coincidência, discute raça e gênero dentro do mercado de trabalho.