Por Luiza Camargo*
Os tempos difíceis da pandemia afetaram a humanidade em todas as esferas da vida: profissional, social e, principalmente, pessoal. Segundo o Colégio Notarial do Brasil, cresceu em 54% o número de divórcios no país em 2020, após um 2019 com recorde negativo.
Essa mudança abrupta no comportamento dos casais comprova como está difícil manter um namoro/casamento nesta nova realidade que se impôs. Para a chama se manter acesa, é preciso muita empatia, paciência, conversa e, muito, mas muito amor. E é sobre dificuldades — e também belezas — de um romance em tempos de quarentena que o espetáculo ELAS se debruça.
A montagem do Coletivo Caracóis abriu a primeira Mostra Aldir Blanc na SP Escola de Teatro e emocionou o público ao apresentar a história de um casal de mulheres muito apaixonadas que vive uma crise profunda no namoro por estarem separadas fisicamente.
Todavia, percebe-se ao longo da história que o distanciamento social foi apenas o estopim, o gatilho para ativar incômodos antigos que ambas já nutriam uma pela outra.
Montanha-russa emocional
A dramaturgia de Carina Murias traduz com brilhantismo essa tensão, cheia de mágoas, existente entre as duas, com diálogos precisos de ataque e defesa uma com a outra, escancarando o ponto de vista das personagens em relação à respectiva amada.
Esse jogo de gata e rata, onde ninguém dá o braço a torcer e reconhece seus próprios erros na relação, cria uma identificação instantânea com o público. Quem nunca desenvolveu essa dinâmica em um relacionamento, não é mesmo?
Essa montanha-russa emocional, ora hostil, ora sensível, é transmitida pela direção conjunta de Náshara Silveira e Sol Faganello. Ambas não deixam o nível da “DR” cair em nenhum segundo, prendendo o público à apresentação inteira.
Atuações potentes no digital
É de aplaudir em pé também a interpretação das atrizes Carol Moreno e Fernanda Heitzmann, ótimas em suas personagens, tão certas e erradas ao mesmo tempo.
É essa observação minuciosa do ser humano o fato mais incrível da peça: não há vilãs na história. Elas são pessoas boas, muito apaixonadas, calejadas por suas feridas (medo da lesbofobia, por exemplo) e dominadas pela mágoa e a falta de comunicação.
A performance se encaixa com exatidão no modelo de teatro digital, pois o conflito acontece principalmente com as personagens discutindo pelas câmeras de seus computadores. Nas cenas de flashback ou solos, o destaque é para Maria Carolina Ito, responsável pela concepção de luz e som, ao conseguir criar ambientes e sensações completamente diferentes do cenário principal ao adotar a sintonia perfeita entre estes estímulos sonoros e visuais.
Poética, ELAS atinge com maestria o seu objetivo: falar de AMOR e sua intensidade e as inúmeras reverberações desse forte sentimento: mágoa, saudade, ciúmes, expectativa, empatia e dor.
Ao final, só desejamos que elas sejam felizes, juntas ou separadas.
*Luiza Camargo é jornalista pela Faculdade Cásper Líbero e historiadora pela USP. Foi repórter na Record (R7), Caras e Contigo. Também trabalhou com marketing em escolas e desde 2020 é analista de comunicação na SP Escola de Teatro.
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