Por Mauro Prazeres
Para conhecer um pouco mais os trabalhos e o universo dos profissionais dedicados à cenografia e às técnicas de palco, conversamos com Giorgia Massetani, especialista em pintura cênica e cenografia para óperas.
Giorgia é formada em Cenografia pela Accademia di Belle Arti di Firenze, na Itália, e especializou-se em técnicas plásticas para cenografia teatral. Iniciou sua carreira como cenógrafa no teatro infantil com a companhia Vieni Tela Racconto, com a qual participou do Mercantia (Festival internazionale del teatro di strada), em Certaldo, também na Itália. Ainda no país europeu, trabalhou no ABC Festival com a Compagnia dell’Atto Comico. Teve sua primeira experiência com ópera no Maggio Musicale Fiorentino e no Festival Pucciniano de torre del Lago. Em 2012, participou pela primeira vez do Festival Amazonas de Ópera, em Manaus, como assistente de cenografia para o Atelier La Tintona, na Ópera Lulu. Desde então, segue colaborando com o festival. Atualmente é cenógrafa residente e coordenadora da central técnica do Theatro São Pedro em São Paulo.
Giorgia Massetani, cenógrafa residente do Theatro São Pedro/SP
Mauro Prazeres: Como começou a sua vida profissional?
Giorgia Massetani: No começo da minha vida estudantil, estudei letras clássicas no colégio (grego antigo, latim etc.). Na graduação, tinha dúvidas sobre qual caminho seguir, então fui conhecer a faculdade de arquitetura e vi que também não me encaixava naquele contexto, pois achava o estudo muito formal. Fiquei um pouco perdida, pensando no que fazer. Nessa época, eu já morava na Itália com meus pais e uma amiga me disse que queria conhecer a Academia de Belas Artes de Firenze, onde existia um curso especifico de cenografia. É a mais antiga da Europa, construída em 1467. Quando cheguei lá, achei o espaço incrível, muito romântico, antigo, muitas estátuas. Fiquei encantada! Nunca me vi sendo uma arquiteta, apesar da minha mãe ser arquiteta e ter sido cenógrafa da TV Cultura. Foi nesse momento que comecei a perceber que o meu prazer maior estava em ver a beleza estética dos espaços. Minha amiga se inscreveu para o curso de arquitetura, e eu acabei me inscrevendo para o de cenografia.
No teste para entrar na faculdade fiquei apavorada, pois eu vinha de um curso na área de humanas e tive que fazer um teste de aptidão no qual recebíamos um tema e, a partir daí, construíamos algo relacionado. Fui aprovada e foi aí que tudo começou. Tínhamos cinco professores diferentes: dois eram ligados a cinema, um a TV e outros dois a teatro. Um dos professores voltado ao teatro sempre levava os alunos para o processo de criação, construção de cenários, figurinos e marionetes em um teatro infantil. Aí realmente não tive mais dúvidas: estava apaixonada pelo universo da cenografia.
Cenografia do espetáculo Fábulas de um Sótão, estreia no SESC Consolação em 19/11/2016
Cenografia para o Teatro da Rotina (Rua Augusta, 912), estreia em 14/11/2016
MP: O que o estudo na Itália te proporcionou de melhor na sua formação como cenógrafa?
GM: Na Faculdade de Belas Artes de Firenze, o curso era especificamente de cenografia e, além dos projetos cenográficos. Tínhamos que trabalhar e estudar exaustivamente todo o processo construtivo dos elementos de cena, da pintura artística, das técnicas de construção. Isso foi muito importante para minha formação. Além disso, fazíamos intercâmbios em teatros da Itália. Tive muita sorte, pois estudei com grandes pintores cenográficos.
Cenografia: Telão de boca montaggiole nozze di Figaro, Theatro Municipal/ RJ
MP: Para você, como é viver da arte no Brasil?
GM: Hoje eu sou contratada do Theatro São Pedro aqui em São Paulo, porém, antes disso eu trabalhei muito como freelancer. E não acredito que hoje o problema esteja em trabalhar e conseguir viver da arte, quase todo o trabalho de alguma forma acaba tendo que ser complementado com outros trabalhos paralelos pois o custo de vida esta muito caro. Antes de conseguir os bens materiais que são muito importantes na minha vida, eu prezo muito pela minha realização como profissional. Amo a arte, sou apaixonada pelo que faço e isso ameniza e me faz pensar de forma menos financeira nos resultados dos meus trabalhos. Acho que eu sou muito mais coração do que valores financeiros. Outro ponto muito importante é cuidar da saúde mental e física. Isto é primordial para que o artista possa produzir trabalhos grandiosos. E também manter sempre os bons relacionamentos, ter respeito pela equipe, ter amigos, enfim, tudo isso vai muito além do aspecto financeiro, ou seja: você tem de ser e estar feliz e realizado com o trabalho que está fazendo.
Cenografia do espetáculo Bodas / Prokofiev no Theatro São Pedro
MP: Dentro do universo da cenografia, você tem alguma técnica de preferência?
GM: No começo da minha carreira trabalhei muito como ilustradora para livros infantis, e, a partir daí, enveredei para o desenho e a pintura. Hoje eu me considero uma cenógrafa pintora (especialista em pintura cênica). Vejo a cenografia como arte e adoro observar a pintura cênica e os seus mais diversos detalhes. Para mim, a é fundamental que esta técnica retrate a realidade do material e os anos de utilização que tal material deve expressar em cena. Cenários muitos limpos, sem a ilusão cênica da passagem do tempo, tiram a magia da cena. Gosto de valorizar os aspectos do tempo em cada detalhe das paredes, objetos, adereços etc. Adoro fazer texturas de paredes, muros, aspectos mofados, madeiras, mármores, granitos.
Montagem do Cenário, Senhor Couve Florida. Estreia em 24/11/2016 no Theatro São Pedro. Participação dos estagiários da SP Escola de Teatro.
Cenografia da Operetta, Senhor Couve Florida. Estreia em 24/11/2016 no Theatro São Pedro. Participação dos estagiários da SP Escola de Teatro.
MP: O que você diria para um aprendiz que está começando na profissão?
GM: Eu diria que todo aprendiz deva fazer Cenografia ou Técnicas de Palco porque realmente se sente realizado fazendo isso. Que ele escute o seu coração para saber se é isso mesmo que quer fazer. Todo profissional deve amar a profissão e tentar fazer dentro dela os melhores trabalhos possíveis. Sempre digo a todos que estão comigo que devemos nos valorizar como profissionais e dar valor ao trabalho produzido. Se desde o início da profissão o aprendiz dá o real valor ao seu trabalho, com o passar dos anos ele certamente será visto pelos outros como um profissional de força artística muito grande. E, por fim, o artista nunca deve deixar de estudar, pois nunca estaremos suficientemente prontos e nunca conheceremos tudo. Sempre teremos algo a estudar e a aprender, pois temos de ser profissionais cultos. A cultura nos salva.