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“Polaroides Secretas”: Sentir Para Não Entender. Entender Para Não Sentir

Publicado em: 07/12/2020 |

Por Cabeça de Touro, especial para a SP Escola de Teatro

“Mas já que há de se escrever, que ao menos não se esmague com palavras as entrelinhas. O melhor ainda não foi escrito. O melhor está nas entrelinhas”
(Clarice Lispector)

Quando me propus a analisar um trabalho teatral para posteriormente escrever criticamente sobre ele, uma das minhas primeiras dúvidas foi: “quais palavras usar para falar do que se sente?”. E daí pergunto: é possível transpor através das palavras uma experiência? Talvez roçar, tocar, chegar a um limite do possível, mas sempre será um grande desafio utilizar palavras para narrar uma experiência que transcende a linguagem. Por isso, acredito que existe a lágrima, o riso, o grito, o espanto, porque nem sempre com palavras se explica o que se sente, daí a importância das entrelinhas.

Em 2020 se comemora o centenário da nossa grande escritora Clarice Lispector. Não é por acaso que a convoco aqui. Em Polaroides Secretas, espetáculo apresentado durante o festival Satyrianas no último sábado, 06.12, com direção de Renato Andrade, foi assim. A encenação do conto “A imitação da rosa”, de Clarice, marca o início de Polaroides Secretas. Em uma sociedade em que todos se tornaram grandes solitários e onde tudo se tornou líquido (sentimentos, relações, amor), pessoas passam a compartilhar suas vidas em busca de um possível sentido.

Ao assumir que não se trata de uma distopia, a peça, encenada por oito atores, revela seu potencial através de representações maduras que abordam os dramas da existência humana e a latência de sentimentos tão profundos que emergiram durante essa pandemia. Mas nada tão óbvio, nem explicativo demais. A construção da apresentação se dá pela narrativa independente de cada história; desde uma criança que se fantasia de rosa para pular o carnaval até uma louca – ao que me parece – inconformada com sua própria condição.

As entrelinhas de todos os relatos transformaram o curto espetáculo de 30 minutos em uma intensa viagem pelo mundo íntimo de cada personagem. No pouco tempo em que apareciam era possível criar uma ligação com a história de cada um.

Mas entender ou não entender uma obra é questão de detalhe quando ela lhe oferece possibilidades de compreendê-la de outras formas além da comum. Porque “entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras” como diria Clarice Lispector. Talvez essa ligação com o espetáculo se dê por outros meios que apenas o sentir dê conta. Falar sobre Polaroides Secretas se torna paradoxal. Uso palavras para descrever algo que não pede palavras. Quero apenas uma coisa: imaginem uma lágrima, e essa lágrima escorre pelo meu rosto.

 

* Cabeça de Touro é participante da oficina olhares: poéticas críticas digitais, oferecida pela SP Escola de Teatro e ministrada pelo crítico Amilton de Azevedo, que supervisiona a produção e edita o material resultante.




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