Apresentação do livro ‘O samba e o fado’, de Tania Carvalho, para a Coleção Aplauso, da Imprensa Oficial (leia a obra na íntegra)
Pedro Paulo Rangel tem na voz a sua origem. Meio malemolente, meio chiado, uma mistura de carioca da Lapa, onde nasceu, com o português, de quem descende. E de onde vem o sotaque carioca, senão dos portugueses que por aqui aportaram? Ele fala de um jeito todo especial, que já virou marca registrada. É absolutamente natural, é assim que falo mesmo. Quando as pessoas começam a ascender assim um pouco na profissão, na vida, elas começam a sofisticar os esses e os erres, a falar trrrrreisss, doissssss, acho tão falso!
PP – como todos que gostam dele o chamam – é a perfeita síntese das duas culturas. Pois, além do delicioso sotaque, ele tem na alma as duas culturas: o samba, alegre, de influência africana, com molejo e alegria, a comédia; e o fado, triste, fatalista, trágico, enfim, o drama. E talvez por isso oscile tão bem entre os dois gêneros, onde quer que tenha oportunidade de mostrar o seu talento: no teatro, na TV, no cinema.
De tão versátil, às vezes se sente perdido. Ora, assim é PP: cheio de conflitos, dramático, mas também extremamente engraçado e crítico, em especial de si mesmo. Quando conta uma história, faz um imediato contraponto, como se alguém estivesse observando e comentando. Dizem que faço assim também quando interpreto, como se estivesse sempre comentando o personagem.
Nossas conversas começaram antes do Natal de 2004 – aliás, ganhei um presente lindo dele, uma deliciosa caixa de biscoitos da Confeitaria Colombo, a mais antiga do Rio de Janeiro, que somente um carioca da gema poderia dar. E acabaram no carnaval de 2005. Elas aconteceram no apartamento de frente para o mar de Copacabana, onde PP mora nos últimos cinco anos. Acompanhei todo o seu estressante processo de procurar algo novo, já que havia sido obrigado a abandonar a Prédia – como é apelidado o edifício e ele conta no livro o porquê. Mas isso não atrapalhou os nossos encontros. Circundados por fotos familiares, pôsteres de peças, diversos prêmios Molière e tendo um insistente carrilhão a marcar a passagem do tempo, conversamos muito, horas a cada vez.
A pesquisa sobre PP foi feita em diversos lugares, mas quem forneceu as melhores e mais apuradas informações foi ele mesmo. PP é um dos poucos atores que conheço que têm tudo registrado, um currículo completo, com todos os detalhes, que está publicado no final desta edição.
Outra fonte preciosa foi o seu blog (www.soppa deletra.blogger.com.br), que começou como um diário da montagem de seu mais recente trabalho em teatro, o espetáculo SoPPa de Letra, mas foi se transformando num delicioso auto-retrato de seu criador. Não resisti, invejei as suas tão bem escritas palavras, e, devidamente autorizada por ele, usei diversos posts, colocados ao longo do ano, para enriquecer trechos de seu depoimento. Para quem se enrolou neste último parágrafo e é neófito em matéria de internet e suas ferramentas, blog, segundo The Routledge Encyclopedia of Narrative Theory… é um website atualizado freqüentemente, com entradas datadas organizadas em ordem cronológica reversa. Assim os leitores vêem primeiro o mais recente post. O estilo é tipicamente pessoal e informal.O blog de PP é muito mais do que isso: um passeio pela Lapa dos anos 50, pelo processo de construção de um espetáculo, pelas inquietudes de seu autor. Por isso, nada mais justo do que dividir com PP a autoria deste livro, no sentido mais extenso: além de ser generoso em contar a sua vida, ele emprestou seus textos.
E as fotos? Foi mais fácil ainda. Em sua estante estão guardadas dezenas de pastas, catalogadas e etiquetadas pelo nome da peça. Dentro delas, fotografias, convites para a estréia, bilhetinhos dos amigos, críticas, crachás de festivais e, requinte dos requintes, os textos teatrais completos.
Quem começou foi mamãe, mas agora sou eu mesmo que faço. É o virginiano que existe dentro de mim – sou Câncer, com ascendente Virgem – que não me dá sossego. Não pode ter nada desarrumado, que lá fica ele me atormentando.
Rebelde, esquisito, dramático, paranóico, neurótico, encucado, adicto – são adjetivos que PP usa para se autodefinir ao longo de nossas conversas. Eu contraponho outros: brilhante, antenado (ele usa computador desde os seus primórdios, adora a sua câmera digital e tem na internet uma de suas mais queridas aliadas), engraçado, humano, sensível. E assino embaixo no esquisito. Pois como ele mesmo diz, só uma pessoa muito esquisita faz as loucuras que faço, como ficar em um palco dizendo letras de música. E viva a esquisitice!
Em janeiro de 2005, Pedro Paulo Rangel completou 37 anos de atividade artística: 34 peças teatrais, 15 novelas, 12 filmes, além de dezenas de participações em programas na TV Globo, dentre eles, TV Pirata. Premiadíssimo no teatro, PP se ressente de jamais ter ganhado um prêmio na TV e somente um no cinema, pelo curta-metragem Cego e o Amigo Gedeão e de ter uma carreira meio esquizofrênica. Em uma época, já tinha um Molière e fazia quase figuração em um programa de humor – era o homem 3. De vez em quando esta situação se repete. Fez sucessos e fracassos e de todos eles tirou uma lição. Já senti, por exemplo, que o fracasso de uma novela era culpa minha. Hoje, depois de anos de análise, já melhorei bastante. Quanto ao sucesso, ele ensina que é difícil mantê-lo. É preciso lutar sempre.
Pois bem, fica acrescentado mais um adjetivo: um lutador. Nunca foi fácil desde o dia em que olhei no espelho e disse: louro, olhos azuis, 1,90m, você é um ator! Nem louro, nem alto e nem lindo. Mas, definitivamente, um ator.